“Venho manifestar aqui meus profundos sentimentos à família destroçada pelo acidente que, no dia 29 de setembro deste ano, vitimou nosso colega, líder da Estação de Tratamento de Esgotos Navegantes do DMAE, Alessandro Brutti. Não o conheci pessoalmente, mas todos os relatos que me chegaram sobre ele, que vieram quando ainda vivo, foram positivos e afetuosos. Responsável, empático, ativo, parceiro… Foi uma fatalidade, e poderíamos deixar por isso mesmo. O que fiquei sabendo sobre o acidente é que o equipamento necessitava limpeza e manutenção, e por isso o colega se imbuiu na missão de colocá-lo em funcionamento, pelo bom andamento dos trabalhos.
Mas precisamos localizar as responsabilidades. Logo, concluo: mais que uma fatalidade, aquele foi um grave acidente de trabalho, e como tal, uma série de problemas encadeados. Como funcionário de carreira do DMAE, há 32 anos, jamais presenciei algo do tipo, um acidente de tamanha gravidade no exercício de atividade laboral. Me pergunto o que pode ter causado isso, e percebo que a resposta já vem há tempos se consolidando, ao assistir o descaso do poder público municipal com a saúde e segurança de seus trabalhadores. Talvez nas demais secretarias da PMPA já fosse assim há tempos, mas no DMAE, impregnado nos últimos anos da sanha privatista de Nelson Marchezan e, agora, de Sebastião Melo e seu vice-prefeito Ricardo Gomes, que insistem em sua visão liberal de sucatear nosso mais que sexagenário órgão público de saneamento, os problemas acumulados culminam em mortes.
E como isso acontece? Em primeiro lugar, se “vamos privatizar”, é necessário enxugar o quadro, não? Então, segundo a política dos atuais gestores municipais, concursos ou nomeações são um último recurso. Terceirizações são desejadas. Contratações temporárias são permitidas em casos excepcionais. Equipes mínimas, produtividade máxima. Afinal, qual investidor que vise lucro se interessaria em uma empresa que tem em sua folha de pagamento centenas de servidores qualificados e, portanto, com salários valorizados, não é mesmo? Assim, reduzindo a estrutura também encolheram os controles, e não seria diferente para a coordenação de saúde e segurança no trabalho. Uma empresa grande e potente como o DMAE teve seus pés amputados, e neles foram implantados pés de barro. Como garantir a segurança de todos os servidores remanescentes com uma equipe de segurança reduzida? Lembremos que a autarquia conta hoje com pouco mais de 1.100 servidores, mas deveria ter em seu quadro pelo menos o dobro e ainda assim não completaria os cargos vagos.
Também o enfraquecimento da participação dos trabalhadores nas esferas de decisão é um fator que colaborou nessa tragédia. Até há cerca de poucas semanas eu integrava a Comissão de Saúde e Segurança no Trabalho, o equivalente à CIPA nos órgãos privados. Renunciei porque percebi que a comissão, na visão dos atuais gestores da autarquia, é como uma válvula de segurança (com o perdão do trocadilho) servindo para atenuar sua responsabilidade, e apenas isso. Sem poder de decisão, sem sequer uma sala adequada para elaborar um trabalho sério onde se pudesse construir um mapa de risco, sem apoio mesmo para realizar um evento relativamente simples e inofensivo, como a SIPAT (Semana Interna de Prevenção a Acidentes no Trabalho), a comissão (e me perdoem os colegas que, com valentia, seguem na CSST, acreditando que podem colaborar na melhoria das condições de saúde e segurança no DMAE) passou a ter um caráter meramente decorativo, pro-forma, para constar nos relatórios entregues ao BNDES, banco encarregado de avaliar o valor de venda da autarquia, conotando uma certa normalidade.
Outro “tijolinho” na construção da fatalidade que vivemos naquele terrível dia de 2023 é o vergonhoso processo de terceirizações no serviço público. O colega que se acidentou estava realizando uma tarefa de manutenção, atualmente a cargo de uma empresa terceira que não vem cumprindo eficientemente sua função, atrasando consertos (como é de conhecimento interno) e mantendo equipamentos inativos por tempo além do esperado. Mediante o fantasma da privatização das atividades de tratamento de esgoto, os funcionários do DMAE usam de sua capacidade de resiliência para contornar esses obstáculos impostos, deliberadamente ou não, ao bom funcionamento da autarquia. Também faz com que relevemos alguns perigos, pois essa combinação explosiva dos fatores já elencados faz com que a melhor alternativa restante para a coordenação de saúde e segurança no trabalho aparentemente seja a interdição das unidades, indesejada pelos trabalhadores públicos e almejada pelos investidores, que poderão usar a desculpa de um mau funcionamento dessa atividade, resultado de anos de sucateamento, como derradeira justificativa da privatização.
Neste momento, o que me motiva é a emoção, mas o que me orienta é a razão. Podem dizer que estou forçando a barra, e sou hipossuficiente para sustentar essas minhas crenças, mas reputo essa tragédia, essa fatalidade, essa morte, à temerária e preguiçosa gestão de prefeitos que não estão interessados em gerir a coisa pública, mas que pretendem entregá-la a empresários da iniciativa privada, para que lucrem com tributos, sangue e suor de nossos concidadãos. Também não quero soar profético, mas (a menos que sejam tomadas medidas adequadas) essa me parece ser a primeira má notícia de uma série vindoura, filhotes da gestão neoliberal adotada em Porto Alegre.
Por fim, quero deixar meu agradecimento ao honroso colega falecido que, como muitos de nós, optou por combater o desmonte do serviço público trabalhando mais e melhor, a despeito das adversidades impostas por quem, pelo contrário, deveria nos apoiar. Fostes um bravo guerreiro, Alessandro Brutti. Que tua morte não seja vã.”
Leandro Soares Rodrigues – Técnico em Tratamento de Água e Esgotos desde 1991, atualmente operador na Estação de Tratamento de Esgoto Serraria.
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