Publicado originalmente no site do Sul21: https://x.gd/yXrNh
A obsessão pela privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) de Porto Alegre pelo prefeito Sebastião Melo e seu primeiro escalão ignora uma realidade econômica incontestável de que o saneamento básico é um monopólio natural. Seus serviços, de interesse local, não se inserem em mercados competitivos e exigem investimentos iniciais tão altos que, historicamente, apenas o poder público possui capacidade técnica e financeira para sustentá-los.
A retórica liberal da “livre concorrência”, frequentemente utilizada para incluir a entrega desse patrimônio à iniciativa privada, não passa de uma falácia. A entrada de novos operadores não é apenas impraticável, mas, se forçada, resultaria em custos ainda maiores para a população. Não há cidades com múltiplas redes de água, energia ou gás, e a privatização não elimina o monopólio – apenas a transferência do público para o privado, convertendo um serviço essencial em um negócio lucrativo, onde o interesse do cidadão cede lugar à busca incessante por maiores margens de lucratividade.
Nesse contexto, o arcabouço jurídico que rege a participação dos parceiros privados no saneamento básico, longe de trazer benefícios concretos à população, é meticulosamente estruturado para blindar e cegar seus lucros. A regulação, que deveria proteger o interesse público, revela-se ineficaz para coibir abusos e garantir serviços de qualidade. Conselheiros indicados por critérios políticos nas agências reguladoras perpetuam a prática antirrepublicana da “captura do regulador pelo regulado”, transformando essas entidades em meros instrumentos dos interesses privados, em detrimento do bem-estar da sociedade.
Além disso, o modelo de financiamento da regulação no Brasil aprofunda essa situação, criando uma perigosa dependência financeira das agências na relação com as operadoras privadas do saneamento básico. Fato é que um percentual das tarifas pagas pelos usuários é repassado às próprias agências, comprometendo dessa forma sua autonomia, gerando um ambiente de complacência e favorecimento, levando a uma postura mais leniente. Esse desequilíbrio, não apenas fragiliza a fiscalização, mas também permite que falhas graves dos parceiros privados sejam sistematicamente toleradas, inviabilizando uma atuação regulatória com rigor e imparcialidade. Em relação a isso, o prefeito Melo pretende assinar em breve um contrato com a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), após o Conselho Superior dessa agência ter deliberado favoravelmente em 23 de setembro de 2025 pela regulação dos serviços de água e esgotamento sanitário prestados pelo Município de Porto Alegre, por meio do Dmae.
Exemplo gritante dessa desregulação é a disparidade tarifária vigente (outubro/2025) entre municípios gaúchos do custo de mil litros (um metro cúbico) de água tratada, para faixas de consumo mensal entre 11 e 20 m³, conforme a seguinte tabela:
Diante disso, ao confrontar as tarifas das concessionárias privadas com a gestão pública e estatal do Dmae de Porto Alegre, tem-se que, em Uruguaiana, o custo da água da gestão privada da BRK, é 96,91% superior ao da água do Dmae; respectivamente, em Jaguari, da gestão privada da Aegea/Corsan é 59,46% superior ao da água do DMAE; em Parobé, da gestão privada da Aegea/Corsan, é 52,70% superior ao da água do Dmae; em Canoas, da gestão privada da Aegea/Corsan, é 51,35% superior ao da água do Dmae; em Santa Cruz do Sul, da gestão privada da Aegea/Corsan, é 45,95% superior ao do Dmae; em Erechim, da gestão privada da Aegea/Corsan, é 27,41% superior ao da água do Dmae; e em São Gabriel, da gestão privada da Norte Saneamento, é 25,29% superior ao da água do Dmae.
Esses percentuais altíssimos não são meras coincidências, refletem um modelo que prioriza o lucro das empresas privadas em detrimento do acesso universal a um serviço essencial. As diferenças tarifárias vão além de questões econômicas, configurando verdadeiros ataques à dignidade da população gaúcha. No topo da pirâmide financeira do saneamento básico, os parceiros privados faturam alto; na base empobrecida, os cidadãos são obrigados a pagar tarifas exorbitantes por um recurso que deveria ser acessível a todos. A tese de que a privatização traz eficiência e redução de custos desmorona diante desses dados. Na prática, o que se observa é a transferência de recursos públicos para o setor privado, que, em troca, oferece serviços mais caros e, invariavelmente, de qualidade inferior.
Assim, a realidade socioambiental dos usuários de serviços privados no Rio Grande do Sul é dura e excludente. As contradições do modelo neoliberal ficam evidentes: pregam-se a mínima atuação do Estado e a suposta eficiência do setor privado, mas, na prática, as empresas não abrem mão de generosos recursos públicos, como financiamentos do BNDES e do FGTS. Enquanto isso, a população mais vulnerável paga a conta, literalmente, com tarifas mais altas e serviços de qualidade duvidosa.
Obviamente, no saneamento público o controle social tem papel protagonista, garantindo que os serviços cheguem de forma equitativa às crianças, aos idosos e aos mais pobres. O que comprova o quão equivocada é a mudança do caráter do Conselho do Dmae, de deliberativo para consultivo, aprovada na Câmara de Vereadores pela base parlamentar do prefeito Melo no início de 2025. No mais, o cuidado com o meio ambiente tende a ser maior sob uma gestão pública, já que empresas privadas frequentemente cortam custos para melhorar seus resultados financeiros, negligenciando riscos ambientais e sociais. Não é por acaso que tragédias como os rompimentos das barragens de rejeitos em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, não podem ser desassociadas da desestatização predatória dos anos 1990, período descrito por muitos historiadores como “privataria tucana’. E, aqui no Estado, em 22 de setembro de 2025 a Justiça Federal, 9ª Vara Federal de Porto Alegre, condenou a Aegea/Corsan, cabe recurso da decisão, ao pagamento de R$ 903.587,95 por danos causados ao meio ambiente, valor a ser corrigido, devido ao recorrente extravasamento de esgoto da Estação de Tratamento II, em Xangri-lá, município do litoral norte gaúcho.
Portanto, em vez de avançar com a privatização do Dmae, cujo Projeto de Lei nº 028/25, de autoria do prefeito Melo, foi protocolado na Câmara de Vereadores em 21 de maio de 2025, que autoriza a concessão dos serviços públicos de saneamento em Porto Alegre, é fundamental que a Administração Municipal ponha um fim, de uma vez por todas, ao enxugamento do quadro de servidores, realize concursos para novos servidores e se dedique a corrigir o desequilíbrio tarifário herdado de governos recentes. A proposta de entregar a autarquia à iniciativa privada não passa de uma solução artificial que ignora os problemas reais. Longe de melhorar o serviço, essa medida apenas repassará os custos à população, convertendo um direito fundamental em mercadoria e subordinando o interesse público a um modelo que privilegia o lucro em detrimento do bem-estar coletivo.
Em resumo, a privatização do saneamento básico não é apenas uma escolha equivocada do ponto de vista econômico e trata-se de um verdadeiro atentado contra os direitos sociais e ambientais. O discurso de eficiência, amplamente propagado por interesses corporativos, não passa de uma narrativa usada para justificar a entrega de um serviço essencial à lógica da especulação financeira. Sem esquecer que, nas cidades gaúchas atualmente abastecidas por empresas do oligopólio privado do setor de saneamento básico, a população enfrenta tarifas mais elevadas e uma pior qualidade no serviço. E, no recente dia 29 de julho de 2025, a Agergs, escolhida por Melo para atuar na regulação do Dmae, aprovou, por meio de decisão unânime de seu Conselho Superior, o reajuste anual e a revisão extraordinária da Concessionária Privada BRK Ambiental Uruguaiana S.A., com um aumento de 14,58%, enquanto a inflação oficial (IPCA/IBGE) do período foi de apenas 5,23%. Porto Alegre não merece isso, e permitir que o abastecimento de água seja tratado como simples mercadoria é compactuar com a exclusão e a desigualdade.
(*) Conselho de Representantes Sindicais do DMAE no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre.
Vamos juntas e juntos defender o DMAE público e estatal!
Participe do plebiscito popular “O DMAE é do povo de Porto Alegre”! O plebiscito também está disponível online, pelo link:
https://simpa.org.br/plebiscitodmae/
O SIMPA CORES DMAE alerta que privatizar vai fazer mal ao saneamento público.
DMAE PÚBLICO E ESTATAL, SIM!
DMAE PRIVATIZADO, NÃO!
Serviço público não é negócio privado!
ASSOCIE-SE AO SIMPA, JUNTE-SE A NOSSA LUTA POR MELHORES CONDIÇÕES DE TRABALHO!
PORTO ALEGRE NÃO SE VENDE, PORTO ALEGRE SE DEFENDE!
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