Marchezan e o sequestro da EJA

Por Jonas Tarcísio Reis, diretor geral do SIMPA, publicado no Sul21

A história da EJA em POA é antiga. Remonta o tempo do governo Olívio Dutra, 1989, quando se começou a potencializar sobremaneira a erradicação do analfabetismo. Esse processo tinha à frente um grupo de educadores populares, seguidores dos ensinamentos de Paulo Freire. Será que os atuais gestores da SMED odeiam Paulo Freire? Será que eles querem uma população analfabeta? Dizem que nos tempos áureos da ignorância brasileira os políticos gostavam de gente menos esclarecida que votava sem perguntar e/ou questionar.

 

É balela o discurso “foco no aluno” da SMED com mais essa agressão aos educandos! Atualmente, a EJA figura como uma segunda oportunidade de os alunos frequentarem a escola. Com o fim da descentralização das matrículas da EJA percebemos a exaltação do princípio do mérito: vencerão aqueles que tiverem dinheiro para pagar as passagens para se deslocar de seus bairros (minoria de filhos de assalariados). É a ideologia do mérito fazendo de vítimas os mais de 6,2 mil educandos da EJA municipal. Aliás, a rede municipal responde por mais de 50% das vagas de EJA Fundamental, o restante está a cargo dos supletivos privados, que são máquinas de vender certificados de escolarização. Estão apunhalando o futuro de nossas juventudes sob o argumento da racionalização de recursos. Dinheiro tem, mas só para os CCs (asseclas apaniguados) e para as parcerias com o setor privado (Falconi, por exemplo).

 

Júnior representa o sequestro do direito à educação. No início do ano, com discurso controverso, afirmando que iria aumentar o tempo de aula dos alunos findou arrancando mais tempo das crianças e jovens das escolas municipais de Porto Alegre. De forma unilateral, alterou drasticamente a rotina dos pequenos, diminuindo, inclusive, cerca de 60% o número de refeições servidas. Ao invés de aplicar maiores investimentos na educação, ampliando o RH e reestruturando a infraestrutura das escolas como manda o Plano Municipal de Educação, optou pela economia com o direito humano à educação, deixando milhares de alunos sem aulas, fazendo-os sofrerem com a falta de mais de 420 professores. Destruiu o ano letivo de 2017. Mas parece que os filhos dos mais pobres não precisam ter aula o ano todo. Conforme a prática da SMED, o ano letivo – garantido em lei – é apenas um direito no papel. Cabe ainda a incidência do Ministério Público nessa questão. Que a Justiça cobre logo tenência ao Executivo negligente e nefasto.

 

Na prática, é um governo sequestrador de direitos que está emplastado no Paço Municipal. Esse “prefake” (como popularmente vem sendo chamado) não se trata de uma figura política comum, mas de uma criatura com claras convicções de que o serviço público deve ser destruído, dizimado, que deve ser combatido a qualquer preço. “Jota Erre” usa a desculpa de que o corporativismo está sendo combatido. Vejam os vídeos, em que ele se jacta vociferando contra os servidores. Mas, na prática, o que está sendo derrotado é o direito dos mais pobres de ter o mínimo de dignidade por via das políticas realizadas pelos servidores públicos, frente a uma sociedade totalmente descontrolada, na qual a crise é a ordem do dia. Na verdade, o Estado existe para arrecadar impostos e distribuir serviços a toda a população. Mas o tucano Marchezan visa privatizar tudo e diminuir drasticamente a capacidade do aparelho público em suavizar a grave situação de desigualdade social em que a população de Porto Alegre está mergulhada.

 

Desde os esdrúxulos projetos que querem amordaçar os professores (Escola Sem Partido) até a lógica liberal de Júnior de uma educação voltada a obediência para produzir um povo servil, até aquela educação descompromissada, simplesmente reprodutora de conceitos, temos visto surgir uma escola que não se volta para a consecução de uma sociedade mais igualitária, que caminhe no sentido da edificação de um mundo melhor. Muito pelo contrário, estão destruindo a Escola Cidadã, aquela que era voltada a formar cidadãos críticos, que tinha um currículo diversificado, plural, capaz de oferecer experiências diversas aos filhos dos mais pobres. O projeto educacional desse governo se resume à contratação da iniciativa privada (programas e projetos caros, como o “Elefante Letrado”, que não têm relação direta com o cotidiano das escolas da periferia), redução de RH, sucateamento da infraestrutura, enfim, enxugamento dos “gastos” com educação pública.

 

A educação para a criticidade, para a formação de homens e mulheres capazes de refletir sobre as injustiças e organizar o metabolismo social voltado à elevação da dignidade humana e à justiça social não encontra guarida nos governos federal, de Temer, estadual, de Sartori, nem no municipal, de Júnior. O que há é um alinhamento da ordem neoliberal extremamente nocivo ao direito à educação: ao futuro dos brasileiros e brasileiras. De fato, essa lógica gestora está jogando as gerações futuras em um quadro caótico de deformação, criando um cenário de ampliação da desigualdade social.

 

Não oferecer mais as vagas da EJA nas localidades próximas das residências dos alunos é, na prática, demonstrar que o governo Marquezan não respeita a EJA e os trabalhadores em busca de qualificação para manter/conseguir seus empregos. Não reconhece o direito dos jovens e adultos excluídos, que não tiveram espaço e tempo na idade certa para estudar e concluir a educação escolar. É rasgar a própria legislação: no Plano Nacional de Educação, Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, existem 3 metas (8, 9 e 10) específicas para a EJA. Além de violar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN, Lei 9.394/1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei Nº 8.069/1990.

 

O inciso VII, do Art. 4º, da LDBEN, é claro ao afirmar ser dever do Estado garantir “oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;” Já o Art. 24, que dispõe sobre as regras comuns de organização da Educação Básica, no inciso VII, § 2o, destaca que “os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular, adequado às condições do educando”. A Rede Municipal de Ensino não tem oferecido possibilidades diurnas de EJA, por exemplo. Na seção V, específica da EJA, Art. 37, o § 1º é direto ao referir que “os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.” Ainda, na parte intitulada “Das Disposições Transitórias”, Art. 87, § 3o, o inciso II é direto ao afirmar a necessidade dos entes federados em “prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados”. Será que os gestores da SMED conhecem a legislação? Portanto, a EJA é um direito garantido em lei específica.

 

O ECA, no Art. 4º afirma que “é dever (…) do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação do (dentre vários direitos) direito “à educação”. No capítulo IV, “Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”, o Art. 53 destaca que “o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: inciso I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; V – acessoà escola pública e gratuita próxima de sua residência.” De igual forma, no Art. 54 fica declarado ser “dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;” no § 2º do inciso VII ainda expõe o seguinte: “O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.” Assim, figurará o governo Júnior como réu confesso pelos seus atos administrativos?

 

A covardia de Júnior é a mesma de Dória em São Paulo e de Trump nos EUA, pois suas ações funcionam diretamente contra os mais desamparados dentro do capitalismo. São os maquiavélicos no poder. Fica evidente que essas “criaturas” – que em uma conjuntura econômica caótica foram alçadas ao poder por truques de Marketing – estão pura e simplesmente brincando de governar ou governando para seus comparsas do alto empresariado.

 

O desmonte promovido pelo tucano eleito com cerca de apenas 30% dos votos, que perdeu para “abstenções, brancos e nulos”, deve cessar com uma convergência popular na defesa dos direitos presentes na Constituição Cidadã de 1988. Porto Alegre nunca desejou esse projeto excludente, que nos envergonha, revolta e entristece todos os dias. Jr. tem uma política de governo óbvia: reafirmar e convencer a cidade de que o Sol não nasce do mesmo jeito para todos e que temos de aceitar essa máxima dos ideólogos da teoria do mérito. É a política de destruição dos sonhos de civilidade, de democracia, de igualdade e de justiça social que está em curso.

 

Nelson, pare de destruir as políticas públicas. Marchezan, pare de desorientar a cidade. Júnior, pare de atacar o povo pobre. Nelson Marchezan Júnior, pare de frear o desenvolvimento socioeconômico, pare de entristecer nosso porto. Não seja o coveiro do futuro de nossa cidade e respeite a legislação.

 

Chega de bloqueios ao Direito Humano à Educação. Vamos juntos dizer um não retumbante ao naufrágio da educação porto-alegrense. Não ao governo inconsequente dos pseudorricos tucanos, dos amantes do meritocratismo, das sanguessugas do erário público amigas do Aécio Neves.

 

Pelo fim do sequestro de direitos: FORA MARCHEZAN, FICA EJA!

 

Tags: Educação, EJA, Marchezan, simpa, SMED

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