Livro “Pé no chão!” será lançado nesta sexta-feira (1º/9) no Simpa

Fotos: Júlia Lanz

As 254 páginas do livro “Pé no Chão! Na construção e defesa da EJA pública e popular”, organizado pelos educadores Marco Mello e César Rolim, podem remeter à metáfora de uma caminhada, no sentido da aprendizagem e do saber. Para além da simbologia e do sentido figurado, a obra é resultado de 18 produções, vivenciadas por 42 educadoras e educadores das escolas e das universidades públicas (UFRGS e UERGS) que trabalham com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.

 

O livro, que será lançado no dia 1º de setembro, a partir das 18h30min, na sede do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) – João Alfredo, 61, no Centro Histórico, é uma produção coletiva e independente de pesquisadores, militantes e ativistas da Educação. A obra traz temas como o Mapa da EJA em Porto Alegre, diagnóstico da demanda potencial, planejamento da política pública, Plano Municipal de Educação, financiamento, matrículas, história da modalidade, alfabetização nas Totalidades Iniciais, experiências e relações universidade-escola, organização curricular, política cultural, legislação, lutas associativas, inclusão, população em situação de rua, ensino remoto sob a pandemia e perspectivas de continuidade dos estudos no Ensino Médio e profissionalização.

 

  • Leia abaixo a entrevista que os jornalistas do Simpa fizeram com os organizadores do livro.

 

P – Começando pelo nome, vocês poderiam explicar o significado do “Pé no chão!” que abre o título do livro?

 

R – Entre as opções que tínhamos construído escolhemos esta porque associamos os pés como extremidade, o que dá sustentação ao corpo para que fique em pé: uma metáfora para afirmar nossa altivez e capacidade de resiliência diante de desgovernos de traços fascistas, privatistas e neoliberais, como foi o período de Jair Bolsonaro na presidência e é o de Sebastião Melo (MDB) na Prefeitura Municipal. Ao mesmo tempo, os pés no chão remetem senso de realidade, de segurança do que se quer. De vínculo com a realidade dos (das) estudantes das nossas escolas, de conexão com a terra, com a natureza e os ciclos vitais. Pés no chão porque estamos na estrada, caminhando, marchando em luta.

 

Por outro lado, pés descalços podem ser entendidos como signos de falta de proteção, onde há carência frente às intempéries e caminhos, uma alusão aos abandono da SMED para com essa modalidade de ensino e seus educadores(as), de forma especialmente cruel. Por fim, na contracapa trouxemos uma foto linda, de 60 anos atrás. Um registro de Paulo Freire com grupo de coordenadores dos Círculos de Cultura, em Angicos (RN), no processo de alfabetização de adultos. Naquele período histórico, que antecedeu o golpe civil-militar, Moacir de Góes, então Secretário de Educação em Natal, de 1961 a 1664, implantou uma campanha célebre, chamada “De pé no chão também se aprende a ler”. Essa referência histórica foi nossa forma de lembrar o legado de Paulo Freire e da Educação Popular e de que, ontem e hoje, os sujeitos que estão à margem da cidadania não podem continuar invisibilizados, como se não existissem; uma forma de perpetuar o machismo, o racismo e a discriminação por endereço que afeta moradores nas periferias da cidade – e que são os mais atingidos por falta de opções de escolas e matrículas.

 

P – Na capa, temos como pano de fundo um mapa da cidade. Em linhas gerais, qual a realidade da Educação de Jovens e Adultos hoje em Porto Alegre?

 

R – No mapa tempos plotadas as escolas públicas municipais que ofertam EJA. São 31 escolas e, com exceção da Escola Porto Alegre e do CMET Paulo Freire, localizados na região central, a grande maioria está localizado nos bairros e vilas periféricas. Mesmo assim, houve um processo deliberado de redução, por parte dos gestores. Há duas décadas há uma estagnação e mesmo retrocesso da oferta, com fechamento de escolas e de turmas da modalidade nas escolas, além da redução de recursos humanos e da precarização das condições de trabalho dos educadores(as).

 

A situação é gravíssima! A demanda potencial de matrículas na EJA, visando a conclusão do Ensino Fundamental é de 309.389 pessoas. Temos ainda uma taxa de analfabetismo de pessoas maiores de 15 anos de 2,27% da população, o que equivale a 26.045 pessoas, em dados de 2010. Enquanto isso, a oferta de matrículas em toda a cidade chega tão somente a pouco mais de 4 mil pessoas por absoluta falta de compromisso dos gestores.

 

Uma das produções, presentes no livro, o mapa da EJA, produzido pelo NIEPE-EJA/UFRGS, indica que, embora a rede municipal tenha tido, entre 2018 e 2022, forte queda de vagas de EJA, da ordem de 33,8%, a Rede Estadual teve um decréscimo de 54,7% do oferecimento de vagas no referido período. Ou seja, responsabilidade do Governo Eduardo Leite (PSDB), que parece não medir esforços no desmonte da escola pública. Situação essa que também vamos encontrar no cenário nacional, com redução drástica no número de matrículas, diante de uma enorme demanda não atendida.

 

P – A obra tem um grande número de autoras e autores e temáticas. O que levou vocês a tomarem essa iniciativa?

 

R – Somos educadores na Rede há um bom tempo. Percebemos, junto com colegas que atuam na EJA, que ano-a-ano foram ficando rarefeitas as atividades formativas e os encontros de educadores, que possibilitavam os intercâmbios entre profissionais atuam na modalidade. Poucas escolas têm conseguido sistematizar e divulgar seus trabalhos. Colegas que estão ou passaram por programas de pós-graduação também têm feito esse esforço, mas em ambientes de circulação e de acesso mais restrito. Então, esse é um apanhado não exaustivo, mas que acreditamos bem representativo, do que de mais significativo se fez, se faz, se pesquisa, se reivindica sobre a EJA na Rede Pública Municipal nesta década mais recente. Na base desse esforço de sistematização coletiva há uma forte convicção: precisamos nos ver, nos escutar, socializar o que fizemos, ler o que produzimos e debater coletivamente desde nossas experiências.

 

P – Hoje, grande parte da produção de conhecimento especializada circula nas redes sociais, no formato on-line. Por que fazer uma edição física do livro “Pé no chão! Na construção e defesa da EJA pública e popular”? Também haverá versão digital disponível?

 

R – Muito pertinente esta questão! Vivemos imersos na virtualidade e sob a pandemia da covid-19 ficaram muito evidente as bolhas a que acabamos ficando submetidos, sob uma falsa ideia de universalização do acesso à informação e democratização do conhecimento. Ter o livro impresso, ainda que com uma tiragem modesta, é um ato de afirmação e resistência, como forma de dizer: “Existimos, estamos aqui!”. São mais de trezentos mil cidadãos e cidadãs em Porto Alegre que têm sonegado o seu direito constitucional de acesso e conclusão da Educação Básica, devido ao descompromisso das gestões neoliberais e privatistas que tem ocupado o Paço Municipal e a Secretaria Municipal de Educação (SMED), em meio à inércia, de um lado; e escândalos no uso de recursos públicos, de outro lado.

 

Respondendo a segunda pergunta. Sim, a partir do lançamento, no dia 1º de setembro, disponibilizaremos, inclusive pelas plataformas do SIMPA, a versão e-book para livre acesso e download a todas as pessoas interessadas em conhecer este bonito trabalho, que reúne mais de quarenta colegas em dezoito artigos de grande qualidade estética, consistência pedagógica e assertividade política.

 

P – No material de divulgação e na própria capa do livro identificamos as logomarcas de entidades afins que apoiaram a iniciativa, incluído aí o SIMPA. Qual a importância desse apoio?

 

R – Fundamental! A publicação é uma iniciativa coletiva, independente e auto-organizada por um grupo de educadores(as), pesquisadores(as), militantes e ativistas da Educação de Jovens e Adultos em Porto Alegre. Todavia, sempre tivemos e temos como referência o campo da nossa classe, em especial dos movimentos de caráter associativo e sindical, dos quais vários de nós foram e são militantes, ativistas e mesmo dirigentes. Então, é motivo de orgulho contarmos com o lastro de apoio e a solidariedade do SIMPA, da ASSUFRGS, do PoAncestral, da ATEMPA, do ANDES – Seção Sindical UFRGS, do NIEPE-EJA UFRGS, Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos – RS, da Rede Internacional Café com Paulo Freire e da Rede MOVA-Brasil.

 

Como escreveu um dia o grande poeta João Cabral de Melo Neto, no poema “Tecendo a manhã” (1966): “Um galo sozinho não tece uma manhã:/ele precisará sempre de outros galos./De um que apanhe esse grito que ele/e o lance a outro; de um outro galo/que apanhe o grito que um galo antes/e o lance a outro; e de outros galos/que com muitos outros galos se cruzem/os fios de sol de seus gritos de galo,/para que a manhã, desde uma teia tênue,/se vá tecendo, entre todos os galos.”

 

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