Nos últimos tempos, a notícia que mais desperta o interesse dos brasileiros diz respeito à vacinação contra a covid-19. Porém, pouco se sabe sobre como é feito o trabalho para viabilizar o transporte, o armazenamento adequado e as condições de aplicação dos imunizantes.
Esse cuidadoso trabalho, de que a vacina depende para que sua eficácia seja mantida, é feito por uma série de servidoras e servidores públicos que, em geral, fazem parte dos quadros da Vigilância em Saúde. São dezenas de profissionais que trabalham, diuturna e continuamente, para fazer a vacina chegar a quem precisa.
Aqui em Porto Alegre, por exemplo, este trabalho é feito pela equipe da Diretoria Geral de Vigilância em Saúde. Depois de chegarem ao aeroporto, as vacinas são levadas à Central Estadual de Armazenamento. “O cronograma de entregas é enviado por e-mail pela farmacêutica responsável com as quantidades. Agendamos o horário para retirar os imunobiológicos, a camionete refrigerada passa por revista na entrada e saída, é obrigatória a identificação na portaria com documento oficial. As caixas já estão lacradas e identificadas com SMS POA”, explica a auxiliar de enfermagem Melissa Soares Pires, do Núcleo de Imunizações da Equipe de Vigilância de Doenças Transmissíveis da Diretoria Geral de Vigilância em Saúde (DGVS-EVDT-NI).
De acordo com Melissa, quando as vacinas chegam à sede da DGVS, os servidores envolvidos transferem as caixas para a sala de armazenamento, previamente climatizada entre 18° a 20°C. O processo precisa ser feito rapidamente. É realizado o controle de temperatura com termômetro infravermelho, de maneira a garantir que o interior da caixa esteja entre 2°+ a 8°+. “Organizamos as caixas com vacinas dentro das câmaras próprias para conservar os imunobiológicos, conferimos e contamos todas as embalagens. Acessamos o sistema de fornecimento de insumos estratégicos (SIES) do Ministério da Saúde confirmando o recebimento”, diz.
Mais adiante, já com as vacinas devidamente armazenadas e com o processo organizativo já feito, é realizado contato prévio com as entidades para viabilizar a agenda de entregas de acordo com o número de pessoas do público-alvo que será atendido. “A distribuição é realizada conforme a disponibilidade de doses para cada serviço de saúde e capacidade de transporte. A partir do momento que as vacinas saem da sede do DGVS, a entidade receptora é co-responsável pela operacionalização da campanha, respeitando os princípios básicos determinados pelo Programa Nacional de Imunizações”, diz Melissa.
Rotina intensa
A pandemia de covid-19 tornou mais urgente a necessidade de vacinação, o que aumenta a pressão sobre os servidores, impondo um trabalho mais intenso. Porém, diz Melissa, “os cuidados são os mesmos da rotina mensal. Atendemos 131 unidades de saúde mensalmente repondo o estoque de vacinas e fiscalizando os serviços, abastecemos os hospitais públicos e privados com as vacinas administradas nas primeiras horas de vida (maternidades). O diferencial é o aumento do volume de trabalho, exposição na mídia, e o surgimento de ‘entidades parceiras’ exigindo atendimento célere dos seus interesses”.
Mesmo tendo todo este rol de responsabilidades, para que a vacina contra o coronavírus cubra todos os locais, de forma que o público prioritário dos servidores da saúde seja imunizado, a decisão a este respeito não depende da Vigilância em Saúde. “A orientação de quem, onde e como vem do gestor (Secretaria Municipal de Saúde). É uma decisão, às vezes, muito mais política do que técnica. Mesmo com diretrizes estabelecidas pela Secretaria Estadual de Saúde, o município tem autonomia para atender as prioridades dentro das prioridades”, coloca Melissa.
Ela acrescenta que “existe um movimento fortíssimo de alguns grupos da área farmacêutica pressionando a gestão, no intuito de ‘ajudar’ nessa campanha. A gestão anterior utilizou esse artifício e o resultado foi desastroso, porque só conhece todo o processo de vacinação quem trabalha paulatinamente com vacinas. Administrar uma vacina não é igual à aplicação de um analgésico. Nesse setor, não tem espaço para amadorismo. E cabe a nós servidores do Núcleo de Imunizações garantir as entregas nos locais determinados e capacitar os profissionais envolvidos na execução da campanha nacional contra a covid-19”.
Erradicação de doenças
Mais do que os cuidados com a vacina em si, os servidores e servidoras que atuam na Vigilância em Saúde cumprem outro papel fundamental no enfrentamento a diversas enfermidades transmissíveis. “A vigilância subsidia a gestão com informações visando o controle, a promoção e a erradicação de doenças, orientando a aplicação das políticas públicas no município”, lembra Melissa.
Além disso, explica, “cabe a esses profissionais garantir o funcionamento pleno das salas de vacinas, estimulando os profissionais a não perder a oportunidade de vacinar a população, evitando assim o ressurgimento de doenças imunopreveníveis que já estavam eliminadas no território nacional”.
Outro desafio apontado pela auxiliar de enfermagem é a capacitação permanente dos profissionais devido à grande rotatividade de recursos humanos na atenção primária. Ela aponta que no ano de 2020, foram capacitados, de forma online, mais de 400 profissionais com noções básicas em sala de vacinação.
Resistência em defesa do SUS
O trabalho dos servidores públicos, em especial os da saúde, é, também, um exercício de resistência e dedicação. Isso porque a política neoliberal, que ganhou mais força no Brasil nos últimos anos, tem como uma de suas premissas a defesa do Estado mínimo e das privatizações. Sob o falso argumento de que é preciso “enxugar e otimizar a máquina pública”, governos de todas as esferas investiram no sucateamento, na retirada de direitos, na redução do quadro de servidores e nas terceirizações e privatizações.
Além disso, a emenda constitucional que congelou os investimentos do governo federal em áreas estratégicas por 20 anos impôs ainda mais dificuldades aos serviços públicos, sobretudo para o SUS. Quem está pagando essa fatura, claro, é a população que depende dos serviços públicos e os trabalhadores e trabalhadoras do setor.
A crise na saúde, aprofundada pela pandemia, e a completa inoperância e irresponsabilidade do governo de Jair Bolsonaro resultam na atual situação-limite: faltam UTIs e até mesmo oxigênio, como ocorreu no Amazonas; milhares de mortes são registradas todos os dias e sobram, para os servidores da saúde, sobrecarga, cansaço, angústia e desespero.
“A pandemia evidenciou a necessidade de defendermos dos interesses privados esse patrimônio público, que é o SUS, com financiamento adequado, fiscalização dos órgãos de controle, coordenação técnica, diretrizes claras e planejamento das ações”, opina Melissa. E completa: “A palavra de ordem entre os servidores públicos é resistência, fortalecer a continuidade do SUS com conhecimento técnico, mostrando ao gestor (que é temporário) que a qualidade da prestação dos serviços à população passa pela continuidade dos servidores, reposição do quadro funcional, investimento na qualificação e reconhecimento”.
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