Preocupado com a repercussão, na vida dos servidores, da Lei Complementar Federal 173/2020, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus e alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), o Simpa solicitou análise técnica à sua assessoria jurídica.
O foco da análise foi avaliar o alcance e a constitucionalidade de tais medidas de austeridade que prejudicam sobremaneira a remuneração e os direitos dos servidores, uma vez que as medidas de amparo aos estados e municípios pressupõem contrapartidas como a proibição da concessão de aumentos e de reajustes e o congelamento da contagem do tempo de serviço para fins de adicionais por tempo, até 31 de dezembro de 2021.
Apesar do nome, a avaliação técnica destaca que o Programa não visa a um diálogo coordenado entre governos federal, estaduais e municipais, ou mesmo a instituição de medidas de isolamento social, sanitárias, de renda básica de caráter continuado ou de manutenção de empregos para resguardo da economia. São, na verdade, medidas de austeridade direcionadas a servidores de todos os poderes, que se somam a outras políticas de caráter neoliberal propostas recentemente, como a Emenda Constitucional 95/2016, conhecida como Emenda do Teto de Gastos, e as reformas trabalhista e da Previdência.
Além disso, a Lei 173/20 interfere na independência e na autonomia dos entes federativos e seus respectivos poderes, além de atingirem as relações funcionais de servidores públicos de todo o país e suas entidades pagadoras, sem que tenham sido apresentados e discutidos dados técnicos que justificassem o congelamento dos vencimentos até o final de 2021. É uma opção política de aplicar a pauta do ajuste fiscal à custa dos servidores públicos num momento delicado tanto para o funcionalismo quanto para os usuários dos serviços, que necessitam da sua melhoria e não de sua deterioração.
Remuneração
Dentre as medidas contidas na lei, destacam-se os incisos I e IX do art. 8º, que afetam diretamente as carreiras e as remunerações dos servidores públicos municipais titulares de cargos efetivos em exercício, pois impedem inclusive mero reajuste salarial, a não ser que baseados em determinação judicial transitada em julgado ou em determinação legal anterior à calamidade pública. Ou seja, como se não bastasse não terem seus salários revisados conforme a inflação ao longo dos últimos quatro anos, os municipários ainda terão seus ganhos futuros achatados por esta lei.
Há dispositivos da Lei nº 173/2020 que proíbem a criação de cargos, emprego ou função; a admissão ou contratação de pessoal e a realização de concursos públicos, impedindo a extensão de serviços ainda mais necessários nesse momento e a consequente melhoria das condições de trabalho de categorias atuais, muitas vezes sobrecarregadas no atendimento da população na ponta. A análise jurídica do Simpa detalha algumas exceções às determinações da lei no que diz respeito às progressões e promoções e à criação de novos cargos.
Inconstitucionalidades
Entre os casos que agridem as normas constitucionais e o ordenamento legal está o fato de que, ao proibir o aumento e o reajuste salarial e a concessão de auxílios até o final de 2021, a lei viola o princípio da irredutibilidade remuneratória do funcionalismo público e a garantia na manutenção do valor e do poder de compra, e ao impedir a contagem de tempo de efetivo exercício para fins de concessão de adicionais a ele vinculados, afronta o direito adquirido. O argumento é uma das bases da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6447, proposta pelo PT no dia 3 de junho.
Após detalhar questões relativas à remuneração, revisão, reposição e/ou reajuste, verifica-se que, ao ingressarem na carreira regidos por legislação que explicitamente prevê a contagem de tempo de serviço para fins pecuniários, e cumprindo os requisitos, os/as servidores/as têm expectativa legítima de ver cumpridas as normas existentes. Não se trata da exigência a manutenção de um regramento jurídico que não mais existe, mas de uma irresignação ante a suspensão ilegal dos efeitos de um regramento já e ainda vigente.
Conclui-se que a Lei 173 possui inconstitucionalidades que podem resultar em prejuízo direto e grave ao serviço público municipal e seus/suas servidores/as, pois afrontam, especialmente, a irredutibilidade dos vencimentos, a manutenção do poder de compra e o direito adquirido de situações jurídicas consolidadas. Tudo em violação à autonomia dos Estados e Municípios, no particular da disposição sobre o regime jurídico dos/das seus/suas próprios/as servidores/as”. E explica que as possíveis inconstitucionalidades dos artigos 7º e 8 da Lei nº 173/2020 já estão sendo discutidas em ação no STF, que, em breve, emitirá seu posicionamento, em análise do pedido de suspensão liminar, balizando, como indicativo, a compreensão da Justiça Estadual em eventuais ações judiciais em âmbito local.
Veja a íntegra da Lei nº 173/2020:
LEI COMPLEMENTAR Nº 173, DE 27 DE MAIO DE 2020 DOU Imprensa Nacional
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