CPIs da Educação evidenciam que houve formação de cartel nas compras da Prefeitura

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Muito antes da abertura das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara Municipal, destinadas a investigar irregularidades em compras e contratos da Secretaria Municipal de Educação (Smed), o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) afirmava que Sebastião Melo transformou a Prefeitura de Porto Alegre em um balcão de negócios. Na terça-feira (5/11), o relatório final foi aprovado pelas duas CPIs da Câmara Municipal.

Conforme o documento apresentado pelo relator Mauro Pinheiro (PL), que integra a base do governo, o trabalho dos vereadores nas CPIs não identificou irregularidades nas aquisições de materiais por parte da Smed, entre 2020 e 2022. No entanto, o próprio texto sugere a abertura de investigação interna para averiguação das compras.

DUAS CPIs
A instauração das CPIs só ocorreu em função de denúncias e das inúmeras reportagens sobre o tema. Não fosse a quantidade e a baixa qualidade de livros adquiridos pela Smed junto à empresa Inca Tecnologia, o que totalizou aproximadamente R$28 milhões, talvez as irregularidades nas compras realizadas pela Smed não tivessem vindo a público.

Diante de um cenário desfavorável, a base do governo adotou o discurso de que as investigações tinham objetivo político e decidiu formar, estrategicamente, uma outra Comissão, como forma de blindar o prefeito. O fato acabou gerando algo inédito na história da Câmara Municipal de Porto Alegre: a instalação de duas CPIs, simultaneamente, para investigar o mesmo objeto.

Durante quatro meses de embates, os vereadores defensores do governo, que eram maioria nas duas CPIs, tentaram de todas as formas obstruir os trabalhos e as investigações. Na CPI presidida por Idenir Cecchim (MDB), que é do mesmo partido do prefeito, o relatório obteve oito votos favoráveis e quatro contrários. Na Comissão presidida por Mariana Pimentel (NOVO), foram sete votos favoráveis e quatro contrários.

No entanto, o relatório omite fatos extremamente graves, deixando evidente que a gestão de Sebastião Melo está transformando a Prefeitura em balcão de negócios. Não menciona, por exemplo, que os pedidos de orçamento eram feitos a empresas que faziam parte do mesmo grupo, tampouco que agentes do governo direcionavam as pesquisas de mercado para justificar a contratação. Também não cita a ausência de estudos técnicos ou pesquisas, que confirmariam a transparência alegada no processo de compras.

A atuação dos parlamentares da base do governo acabou justamente reforçando as suspeitas sobre improbidade administrativa e a possível existência de crimes, como superfaturamento, sobrepreços, formação de cartel e uso de “laranjas”, entre outros.

BASE DO GOVERNO TENTA ESCONDER A VERDADE
Confira abaixo as inúmeras irregularidades apontadas a partir de informações obtidas pelos vereadores, mesmo diante da tentativa de obstrução dos trabalhos de investigação.

NEGLIGÊNCIAS
Além de negligenciar etapas e requisitos formais essenciais à modalidade de adesão à ata de registro de preços, foram constatadas inexistência de estudos prévios e de adequações de acordo com as necessidades da rede municipal. Soma-se a isso, o fato da Smed ter deixado de realizar ampla pesquisa de preços, anexando ao processo orçamentos de empresas de um mesmo grupo.

AUDITORIA INTERNA
A própria auditoria realizada pela Prefeitura, que está vinculada ao Gabinete do Prefeito, apontou inúmeras irregularidades nos processos de compra pela Smed. O resultado foi submetido ao chefe do executivo, que se restringiu a emitir recomendações, propondo melhorias no processo de controle interno e nos processos de gerenciamento de risco.

TROCA DE FLUXO E PROCESSO
Os dados disponíveis no Licitacon/TCE-RS sobre a adesão às atas de registro de preços apontam que em 2020, a Prefeitura realizou apenas um processo nesta modalidade. No ano seguinte, em 2021, foram seis para todos órgãos e secretarias municipais. Já em 2022, apenas na Smed foram realizados 11 adesões às atas de registro de preços.

DECRETO ABRIU A PORTEIRA
Em função da necessidade de atingir o percentual de 25% para investimentos em Educação, conforme determina a legislação, o Prefeito Melo criou uma força tarefa para acelerar as compras. Em maio de 2022, Melo assinou o decreto nº 21.502/2022, garantindo à Smed a adesão à ata de registro de preços sem passar pelos trâmites utilizados anteriormente. Todos os processos iniciavam no próprio gabinete da ex-secretária ou nos postos-chaves com pessoas vinculadas a ela, sem estudo prévio de área técnica, nem encaminhamento ao Conselho Municipal de Educação e/ou às escolas, instâncias legítimas para tomada dessas decisões.

FORMAÇÃO DE CARTEL
Os trabalhos da CPI indicam a possível existência de dois cartéis nas compras da Smed por adesão à ata de registro de preço: um formado pelas empresas INCA, SUDU e ASTRAL; e outro pelas empresas EDULAB e BRINK.

As aquisições foram divididas em quatro diferentes coleções, tendo cada uma sido realizada por meio de processo administrativo específico. Em paralelo à análise detalhada dos documentos, foi obtida informalmente, por meio de relato verbal de servidores, a informação de que o “lobista” responsável pela venda dos produtos da Inca para a Prefeitura seria um cidadão relacionado à ex-secretária Sônia da Rosa, que responde pela alcunha de “Jajá”. Este também teria envolvimento com as empresas Astral Científica e SUDU Inteligência.

AUSÊNCIA DE ESTUDOS PRÉVIOS
Em todos os casos, sem exceção, verificou-se na instrução dos processos a ausência de estudos prévios, insuficiência da justificativa de adequação das atas às necessidades da Smed, direcionamento das compras e ausência de amplo estudo de preços para comprovação da vantajosidade. E, no caso das contratações das empresas, quase todas tinham alguma relação com a INCA e com Sérgio Bento.

A estrutura do cartel teria como núcleo a empresa INCA, responsável pela produção e proprietária dos materiais pedagógicos. A partir daí são organizadas diversas empresas, algumas ativas e participantes de licitações, atuantes em pregões e outras criadas apenas para a apresentação de orçamentos, com objetivo de garantir a comprovação da vantajosidade. Com essa estratégia, esse grupo foi contratado.

DIRECIONAMENTO À EMPRESA
Com relação às empresas EDULAB e BRINK, o modo de operação seguiu o mesmo trâmite, com direcionamento das empresas, sem qualquer estudo prévio, com ausência de ampla pesquisa de mercado e com juntada de orçamentos de origem duvidosa.

PREÇOS MAIORES PARA PORTO ALEGRE
Outra empresa que chamou muito a atenção das CPIs foi a empresa Conceitto, considerando a ausência de pesquisa de preços no mercado e o fato de outros municípios terem contratado o mesmo produto por valores bem menores. Um exemplo é o caso de Campo Bom/RS, que pagou apenas R$ 1.500,00 na unidade, enquanto Porto Alegre pagou R$ 2.400,00, uma diferença significativa, cujo montante total chegaria em R$ 847.800,00.

COINCIDÊNCIAS, QUESTIONAMENTOS E USO DE LARANJAS
Durante os trabalhos das CPIs foi verificado uma “grande” coincidência: a ex-Secretária da Smed já havia adquirido produtos deste grupo empresarial, quando ainda Secretária Municipal de Educação de Canoas, em 2021. As coincidências não se resumem às empresas contratadas, mas também à forma como as empresas apresentaram orçamentos. Além disso, existem fortes indícios de que a sócia e proprietária provavelmente possa ser uma “laranja”, uma vez que desconhece informações básicas da empresa, conforme o seu próprio depoimento à CPI.

Por trás dos problemas de logística, ficou demonstrado que a falta de planejamento e de estudos de preços para justificar as compras que somam mais de cem milhões de reais, são possíveis evidências da formação de cartel. Caberá à Polícia Civil, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas dar sequência a este trabalho.

A GESTÃO DEMOCRÁTICA FAZ FALTA
Abandonado na gestão Melo, o respeito à gestão democrática das escolas da Rede Municipal de Ensino, poderia ter evitado o desperdício dos recursos públicos em compras agora colocadas em suspeição. Faltou diálogo por parte da Smed, para verificar a real necessidade das escolas e estabelecer processos de compra a partir das demandas apresentadas pelas comunidades escolares. A gestão democrática, uma conquista histórica da RME, também contribui para estabelecer controle público e evitar que empresas se apropriem dos recursos destinados à Educação.

SERVIDORAS/ES TIVERAM CONDUTA EXEMPLAR
Após acompanhar todas as reuniões das CPIs, o SIMPA destaca que ficou comprovado, em diversos depoimentos, que as servidoras e servidores públicos tiveram um comportamento exemplar, em muitos momentos chamando atenção para a necessidade de cumprimento e respeito à legislação que orienta as compras públicas. Independentemente do que as servidoras e servidores apontassem, ficou comprovado que todos os atos sob suspeição foram conduzidos pela alta cúpula da Smed e cargos comissionados indicados por orientação política.

#SimpaSindicato

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