Coletivo de professoras negras resgata autoestima de alunos e promove valorização da cultura afro-brasileira

Tão logo o nome Coletivo Quilombelas foi anunciado pela apresentadora da cerimônia, elas se levantaram altivas e felizes e, de mãos dadas, receberam, unidas, a Comenda João Cândido. A premiação, concedida pelo Grupo Hospitalar Conceição, é um reconhecimento a trabalhos desenvolvidos por pessoas ou entidades que busquem a defesa e a afirmação dos direitos e da cultura da população negra. A cerimônia de entrega foi realizada na Amrigs, na noite de 22 de novembro, na semana em que se celebrou o Dia da Consciência Negra.

 

O Coletivo Quilombelas é composto por seis professoras – Ana Carolina Santos, Cristina Centeno, Helena Meireles, Helena Paz, Janaína Barbosa e Vanessa Félix – da Escola Municipal de Ensino Fundamental Alberto Pasqualini, na Restinga, formadas a partir da política de cotas. O grupo foi criado após o trágico 14 de março de 2018, quando a vereadora carioca Marielle Franco foi executada a tiros, juntamente com seu motorista, Anderson Gomes.

 

“Seu assassinato mexeu conosco e fez com que a gente se questionasse o que seria preciso uma mulher negra fazer para ser reconhecida. E ainda por cima, quando ela chega num determinado patamar de reconhecimento, é alvo desse grau de violência. Aquilo nos atingiu porque nossa história é de mulher negra, de tentar estudar, ter vida digna e ser também, de certa forma, exemplo para outras mulheres e alunos. Quando a gente viu aquilo acontecendo com uma mulher como ela, nos sentimos fragilizadas. Mas, ao mesmo tempo, fez com que a gente se unisse e pensasse que era preciso fazer alguma coisa para mudar isso”, lembra a professora Janaína Barbosa da Silva.

 

O choque inicial daquele momento foi, aos poucos, se transformando em energia criadora, como se aquela perda brutal tivesse, de fato, semeado “novas Marielles”, novas maneiras de resistência que, à sua forma, vão dando continuidade ao legado de lutas da vereadora e de tantas outras mulheres negras. “Nós nos unimos a partir daquele sofrimento, entendendo que a nossa missão como professoras, negras, cotistas, era desenvolver, na verdade, o ensino da cultura e da história afro-brasileira na escola e aquele era um momento de união”, completou.

 

Educação antirracista

 

Nascia assim o Coletivo Quilombelas. Em poucos meses, elas já realizaram diversas atividades, o que fez com que seu trabalho fosse indicado à Comenda João Cândido na categoria Educação. Entre as ações desenvolvidas estão performances poéticas – a primeira delas em homenagem a Marielle –, o “Te Vira Negrada”, sarau com poesia, slam, dança e música, com o tema “A falsa abolição da escravatura e a falta de políticas de reparação para a população negra”; oficinas de turbantes e abayomis e performances de teatro e de dança e exposição de cartazes sobre o Massacre de Porongos.

 

No dia 10 de novembro, o coletivo realizou o AfroTinga, evento que destacou os valores civilizatórios africanos por meio de oficinas de fitagem (cuidados com os cabelos) e de feijoada; do jogo “A Viagem do Tambor”; de apresentações culturais, exposições e culinária afro-brasileira (ajeum). As atrações foram idealizadas pelo Coletivo Quilombelas e os alunos e alunas negros da comunidade protagonizaram o evento. O objetivo era resgatar a autoestima e mostrar a diversidade cultural africana e sua importância na formação da identidade brasileira, promovendo, assim, uma educação antirracista.

 

Apesar do pouco tempo, as professoras já sentem o resultado. “O que carrega o nosso coletivo é o protagonismo dos alunos. Todas as atividades que pensamos, são eles que encabeçam. Só damos o empurrão”, diz a professora Cristina Centeno. “Percebemos que temos muitos alunos talentosos, que têm grande potencial e vimos a autoestima deles melhorando. Somos apenas uma ponte para que eles possam mostrar sua potencialidade e seu valor”, completa Janaína. “O que os alunos aprendem na SIR [Sala de Inclusão e Recursos], eles ensinam em oficinas, inclusive para a EJA. O AfroTinga é resultado de uma grande união e trabalhamos para sermos uma escola inclusiva em todos os sentidos”, explica Ana Carolina dos Santos, professora responsável pela SIR da Pasqualini.

 

“Não estamos sozinhas”

 

Em tempos de aumento da intolerância, de ascensão do discurso do ódio e do consequente aumento da violência – questões que atingem especialmente mulheres, negros, LGBTs, mas também professores e movimentos sociais – o trabalho realizado pelo Coletivo ganha especial significado. “Não estamos sozinhas. Sou professora há algum tempo e esta foi a primeira escola em que vi um grupo de professoras negras e percebi que eu não era a única. A gente tem de se unir, se olhar, se estender a mão e se assumir”, pontua a professora Helena Paz.

 

A outra professora Helena, de sobrenome Meireles, concorda: “Se eu pudesse falar diretamente aos jovens negros, eu diria: ‘aquilombem-se’. A partir do momento que passei a conviver com mulheres negras que têm as mesmas dores, os mesmos sentimentos, as mesmas questões que eu – uma mulher negra e trans –, me senti muito mais forte e consegui avançar. Temos de nos ‘aquilombar’, nos unir porque assim, vemos que somos muito mais fortes”.

 

[Por Priscila Lobregatte – Fotos 1 e 2: Priscila Lobregatte; foto 3: Guilherme de Faveri/GHC]

Tags: Educação, Escola Pública, População Negra, racismo

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