O prédio que abriga a antiga Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV) da Prefeitura de Porto Alegre fica localizado na Avenida Borges de Medeiros (2244). Atualmente, as funções dessa Secretaria foram incorporadas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (SMAMUS).
O referido prédio ainda dá expediente e cerca de 40 servidores da prefeitura trabalham lá diariamente, porém, em péssimas condições de trabalho. A partir da denúncia do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), a reportagem do Brasil de Fato RS esteve no local acompanhada dos diretores do sindicato para conferir a situação.
Desde o lado de fora é possível perceber a má conservação do prédio. A entrada pela Borges de Medeiros, inclusive, está fechada. O acesso ao prédio acontece por uma entrada lateral, no estacionamento.
O edifício possui sete andares, mas somente dois funcionam: o segundo andar, em que um arquivo improvisado guarda milhares de arquivos físicos, e o sexto, em que dois órgãos relacionados à fiscalização recebem o público, entre outras atribuições.
Os outros andares estão desativados: salas onde funcionavam setores da prefeitura hoje encontram-se abandonadas, muitas com pertences pessoais. Outras funcionam hoje como depósitos improvisados.
Prédio sem acessibilidade
O atendimento à população é dificultado: não há condições de acessibilidade no prédio (o que é obrigatório por lei). Devido à falta de manutenção, o elevador está desligado há quase um ano. Tanto os funcionários quanto a população precisam subir os seis andares pelas escadas.
Os relatos ouvidos pela reportagem dão conta de pessoas obesas e idosos que passaram mal ao subirem as escadas em um dia de calor. Outra pessoa com deficiência não teve condições de subir as escadas, caso em que foi necessário que o servidor descesse até o térreo.
O ponto que controla as horas de trabalho dos servidores fica no sétimo andar. No dia em que a reportagem esteve no local, foi possível conferir através de um termômetro de mesa que fazia cerca de 35 graus dentro do prédio. Durante o tempo em que o repórter esteve no sexto andar, foi visto um servidor subindo as escadas rumo ao ponto, visivelmente cansado e suado.
Os servidores relataram à reportagem que a população chega no local igualmente cansada, o que acaba aumentando a irritação e dificultando o atendimento. “Eles não pensam no povo”, afirmou um dos servidores, reclamando da atual gestão.
Servidores trazem ventiladores de casa
Sem ar condicionado, o espaço de trabalho acabam ficando muito quentes. Outro servidor, que trabalha no prédio há cerca de 10 anos, afirmou que em poucos momentos houve funcionamento de ar condicionado. Os servidores precisam trazer ventiladores de suas próprias casas.
Uma servidora, também com tempo de casa, relata que ao fazer uma reclamação sobre o calor para uma chefia, recebeu como resposta que era só “abrir as janelas para ventilar um pouco”.
Além disso, até alguns dias antes da visita da reportagem, não havia sequer água nos banheiros. No dia da visita, 1º de fevereiro, a água havia sido restabelecida, porém, imprópria para o consumo, devido à falta de limpeza nas caixas. Os servidores cotizam entre si o valor de galões d’água.
Risco de incêndio
Além do que já foi relatado quanto às condições de trabalho e sobre os problemas para atender o público no sexto andar, a falta de segurança e o risco de incêndio estão entre os pontos que mais preocupam os servidores.
Os arquivos físicos acumulados no térreo e no segundo andar estão visivelmente mal acondicionados. Neste pavimento, trabalham em conjunto um servidor da prefeitura e um setor separado, contratado para digitalizar os documentos que são requisitados.
No local, estão empilhados milhares de processos, muitos deles datados de décadas atrás. Um dos servidores que trabalha no andar reclamou do cheiro, sendo necessário abrir as janelas.
Porém, não é essa a maior preocupação deles. A grande quantidade de papéis em um local muito quente, por si só, já representaria risco de incêndio. Soma-se a isso o fato do prédio inteiro apresentar fiações expostas e, mais grave, todos os extintores conferidos estão com a validade vencida.
Um servidor que prestou depoimento pelo telefone afirmou que ele seus colegas vivem com esse medo. “Temos receio, já aconteceu de tocar alarme devido a pequenos incêndios. Teve inclusive uma instrução normativa da prefeitura para restringir o uso de equipamentos elétricos”, relatou, na condição de anonimato.
O mesmo servidor alertou para um risco constante: um pequeno curto circuito em uma fiação exposta poderia rapidamente ocasionar uma fatalidade. Apesar de haver escada de incêndio, a grande quantidade de documentos está concentrada no térreo e no segundo andar.
“Se pegar fogo no segundo andar, ninguém sai de lá”, relatou o funcionário. Ele próprio questiona se aquela quantidade de documentos concentrados em só local não representaria um peso excessivo para a estrutura da laje que sustenta o segundo andar.
O que diz a prefeitura
Diante dessa situação, a reportagem questionou a SMAMUS a respeito de alguma providência. Além das condições de trabalho, também foi questionado se o prédio possui Plano de Prevenção Contra Incêndio ou qualquer tipo de vistoria, avaliação ou perícia que ateste as condições estruturais.
Em nota disponibilizada através da assessoria de comunicação da pasta, a Secretaria afirmou que a atual administração está atuando para transferir os servidores para outras sedes da prefeitura, à exemplo do que já aconteceu com outros órgãos que funcionavam nos andares que estão hoje fechados.
Informou ainda que a prefeitura “prevê a criação de um arquivo central unificado para onde devem ser transferidos esses servidores, possibilitando a desocupação integral do prédio”, referindo-se, também, ao conjunto de arquivos.
Também relatou que está autorizando o trabalho remoto para os trabalhadores. Por fim, a Secretaria apresenta outra informação importante: afirma que o referido prédio “encontra-se no rol de imóveis que serão alienados” através do Programa de Gestão do Patrimônio Imobiliário de Porto Alegre.
O Sindicato dos Municipários já havia feito referência à suspeita de que a área de aproximadamente 5 mil metros quadrados fosse mais um negócio a movimentar a “especulação imobiliária na capital gaúcha”.
“O edifício da Borges de Medeiros que faz esquina com a Ipiranga foi um dos primeiros edifícios construídos no aterro da Praia de Belas, local que era banhado pelas águas do Guaíba. O prédio estava avaliado em R$ 37,3 milhões. Só o terreno estava avaliado em R$ 14,8 milhões”.
Secretaria que fiscaliza prédios não fiscaliza o próprio local
O servidor da prefeitura que concedeu entrevista na condição de anonimato explicou que os dois setores que recebem o público são uma equipe que julga recursos em autos de infração ambiental e urbanística e uma Equipe de Apoio à Fiscalização.
“Os colegas tiram dúvidas sobre os processos: são notificações de autos de infração, sobre cortes de arvores, resíduos e construções irregulares, falta de laudos de estabilidade predial, etc. É uma grande ironia: a Secretaria que fiscaliza as construções da cidade não fiscaliza a si própria e coloca os trabalhadores naquela condição”, reclama o funcionário.
Durante o tempo em que a reportagem estava presente no local, os trabalhadores relataram que a grande maioria das pessoas que precisam do atendimento no local são idosos, que encontram dificuldades para conseguir atendimento pela internet ou através do telefone 156.
Enquanto a situação do prédio não se resolve, os servidores seguem fazendo o possível para manter o atendimento da melhor forma, e acabam apelando para a fé. Em uma das salas abandonadas, foi possível registrar uma imagem de devoção a um santo inusitado: “São” Willis Carrier, o inventor do ar condicionado.
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Edição: Marcelo Ferreira