“Após temporal, Porto Alegre se vê refém da inércia da empresa vendida por Eduardo Leite” – POR RENÉ RUSCHEL – Publicado online em 25/01/24 (https://www.cartacapital.com.br/politica/apagao-privatista/) e sairá na edição n° 1295 da versão impressa da Carta Capital, em 31/01/2024.
A tempestade que castigou o Rio Grande do Sul na noite da terça-feira 16 deixou um rastro de destruição em 51 municípios gaúchos. Epicentro do recente dilúvio, Porto Alegre sofreu rajadas de vento de até 100 quilômetros por hora, que derrubaram 450 árvores e provocaram a interdição completa de 90 ruas. Em apenas uma hora, caiu um aguaceiro de 70 milímetros, mais da metade da precipitação pluviométrica prevista para todo o mês de janeiro (120 mm).
Devido ao apagão de energia, cinco das seis estações de tratamento e bombeamento de água deixaram de funcionar. A estimativa é de que 1,2 milhão de habitantes, cerca de 90% da população porto-alegrense, ficou sem luz e com as torneiras secas. Os hospitais públicos precisaram concentrar os atendimentos aos casos emergenciais. Mais de 60 Unidades de Pronto Atendimento tiveram de suspender as atividades.
Quando a capital gaúcha despertou na manhã seguinte, nenhum semáforo funcionava. O trânsito estava caótico, as vias ficaram intransitáveis, não havia agentes de tráfego suficientes para controlar a situação. Exemplo do despreparo das cidades para lidar com eventos climáticos extremos, cada vez mais comuns em decorrência do aquecimento global, Porto Alegre também se viu refém da desastrosa política de entregar para a iniciativa privada serviços essenciais à população. Passadas 48 horas do temporal, 260 mil consumidores continuavam sem luz e sem água. Privatizada pelo governador tucano Eduardo Leite, a CEEE Equatorial, concessionária responsável pelo fornecimento de energia na cidade, ainda não havia normalizado a situação na segunda-feira 22. Seis dias após o apagão, alguns bairros, a exemplo Coronel Aparício Borges, na Zona Sul, permaneciam totalmente às escuras. Diante do descaso, moradores montaram barricadas com galhos de árvores pelas ruas em protesto.
Presidente da CEEE Equatorial, Riberto Barbanera evitou confirmar uma data para o fim do suplício imposto aos clientes afetados. “Pode existir reincidência (das chuvas). Certeza eu não posso dar”, despistou. “Acontece que os dias começam a passar e acontecem imprevistos não gerenciáveis. Podem ocorrer transtornos que limitam o trabalho das equipes.” O executivo também saiu pela tangente ao ser indagado sobre o ressarcimento a clientes que tiveram eletrodomésticos danificados. Os pedidos serão analisados “caso a caso”. Uma evasiva que preocupa a dona de casa Rosana Conceição, moradora na Lomba do Pinheiro, um dos bairros mais pobres da capital gaúcha, que perdeu a geladeira e a televisão. “Quem arca com esse prejuízo? Eu sempre cumpri minha parte e paguei as contas da Equatorial.
Durante a semana, manifestações espalharam-se por toda a cidade. A população exigia pressa. Os comerciantes foram duramente atingidos, principalmente os que atuam no setor de alimentação. Muitos perderam os estoques de produtos perecíveis. A Equatorial precisou buscar funcionários em outros estados para fazer os reparos na rede elétrica. Alguns vindos do Amazonas estão na cidade desde o ciclone de setembro de 2023. Desta vez, foi solicitado o reforço de 180 colaboradores da empresa em Goiás, Maranhão, Pará e Alagoas. A ausência de profissionais no Rio Grande do Sul não chegou a surpreender. Logo após a privatização da companhia, mais de 1,5 mil empregados foram demitidos. Para reduzir custos e ampliar o lucro, a concessionária preferiu terceirizar diversos serviços.
“Privatizaram por quê? Não era para melhorar? Cadê os investimentos?”, desabafou o publicitário Fernando Waschburger, em vídeo publicado nas redes sociais. De fato, a resposta lenta e improvisada da Equatorial está longe do que foi prometido por Eduardo Leite à população gaúcha. Quando CartaCapital questionou o governador sobre as razões para a privatização da CEEE, em junho de 2021, ele respondeu, por meio de sua assessoria de comunicação, que não se tratava apenas de uma questão de lucros ou prejuízos. “Muito mais importantes são as mudanças de gestão, a capacidade gerencial e financeira em aportar recursos de acordo com o plano de negócios.” Passados quase três anos, a justificativa tem cheiro de engodo.
Azar de quem confiou nas promessas do tucano, que já havia rasgado o compromisso de campanha de não vender a companhia.
Para o economista e administrador de empresas Rodrigo Schley, que durante 15 anos fez parte do quadro de funcionários da CEEE, a a privatização trouxe danos imensuráveis à sociedade gaúcha. Vale recordar que o braço de distribuição da companhia foi arrematado por módicos 100 mil reais em um leilão com um único participante. “O maior prejuízo para a população é, porém, a baixa qualidade dos serviços prestados.” Schley critica ainda a falta de um plano de contingências, o insuficiente investimento na manutenção da rede e a precarização das condições de trabalho. Segundo ele, os funcionários terceirizados não possuem a mesma experiência e tempo de treinamento que os antigos trabalhadores da CEEE pública. “O nível de rotatividade também é muito grande, o que dificulta o aperfeiçoamento desses profissionais.”
Agys Espártaco Cervo Paz, engenheiro eletricista que também trabalhou na CEEE e depois atuou como fiscal da Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, afirma que a companhia pública foi sendo gradativamente sucateada para criar na população a a falsa ideia de que era ineficiente. “Como fiscal da Aneel, pude constatar que existem concessionárias privadas boas e ruins, assim como existem públicas boas e ruins. O que causa a degradação de uma empresa estatal é a má gestão.”
Em vez de reforçar a equipe para lidar com as emergências climáticas, a CEEE Equatorial dispensou 1,5 mil funcionários.
Na avaliação de Paz, a Equatorial não pode se eximir da responsabilidade sob a argumentação de que foi um evento climático extremo. Cientes de que as mudanças climáticas tendem a se acentuar, as concessionárias de energia deveriam reforçar seus de funcionários, e não dispensar trabalhadores experientes, avalia. “O que se viu nesses últimos tempos foi falta de equipes de manutenção para atender minimamente às demandas oriundas do temporal, bem como a total incapacidade do centro de em orientar os consumidores.”
O resultado dessa prática pode ser visto no ranking de continuidade do fornecimento de energia elétrica da Aneel. Em 2022, a CEEE Equatorial do Rio Grande do Sul figurava na rabeira da lista como a concessionária de grande porte com a pior qualidade de serviços prestados. A penúltima é a Equatorial do Maranhão, e antepenúltima a Equatorial de Goiás. “A realidade aponta que a privatização dos serviços públicos não mostrou resultados positivos ao longo do tempo, tanto que na Europa já estão ocorrendo reestatizações no setor elétrico e de água e saneamento”, diz Paz.
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do MDB, também tem sua parcela de responsabilidade na crise. Goiano de Piracanjuba, foi vereador, vice-prefeito e deputado estadual. Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, votou a favor da privatização da CEEE. As torneiras também têm a sua marca. Na crise desta semana, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), uma autarquia superavitária, com mais de 400 milhões de reais aplicados no sistema financeiro ou guardados no caixa da prefeitura, não foi capaz de cumprir sua atividade básica. A falta de geradores próprios provocou o caos que deixou 1,2 milhão de consumidores sem água. Pior, não há qualquer plano de contingência em caso de emergência. Não bastasse, Melo apelou ao voluntarismo para tentar debelar a crise na capital gaúcha. Pediu à população o empréstimo de motosserras para partir as árvores tombadas e a doação de telhas e garrafas d’água.
“Enquanto Melo se vangloria com os números do superávit financeiro, o nível de atendimento do DMAE tem piorado significativamente nos últimos anos”, observa o diretor do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre, Edson Zomar de Oliveira, a apontar a terceirização de serviços e a falta de técnicos especializados como as principais causas da atuação precária. Dos 3.632 cargos existentes no quadro da empresa, apenas 1.069 estão ocupados. Segundo a Inspeção Especial 73/2020, realizada pelo Tribunal de Contas do Estado, a ausência de reposição de pessoal no DMAE associa-se “ao aumento da ocorrência de falta d’água no município” e à “perda da qualificação técnica da autarquia e a sua desestruturação”.
Na avaliação do deputado estadual Matheus Gomes, do PSOL, “Melo comporta-se como um negacionista contumaz, a exemplo da postura adotada durante a pandemia da Covid-19”. O parlamentar lembra que Porto Alegre criou a primeira Secretaria Municipal de Meio Ambiente do País, hoje convertida em mero cartório para aprovação de grandes projetos imobiliários. “Ele segue a velha receita neoliberal de sucatear para justificar a privatização.” Gomes acrescenta que uma auditoria do Tribunal de Contas na gestão de seu antecessor, Marchezan Júnior, do PSDB, também apontava a degradação dos serviços prestados pelo DMAE. “Melo prossegue com essa mesma política. Aliás, ele já declarou que quer privatizar a autarquia.”
O governador, responsável pela privatização da CEEE, critica as falhas da concessionária, mas afasta a possibilidade de reestatizar a empresa. Já Sebastião Melo teme que o caos prejudique seus planos de reeleição neste ano. A dupla poderá enfrentar ainda dissabores em duas CPIs solicitadas pela oposição, uma na Câmara Municipal de Porto Alegre e outra na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. “O problema é que isso costuma dar em nada”, lamenta o porteiro João Manoel de Lucas, casado e pai de três filhos. “Perdi quase tudo e eles continuam numa boa.”
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PREFEITO MELO NÃO PRIVATIZE O DMAE! DEIXE O DMAE TRABALHAR!
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