Em meio à luta contra a terceirização do SUS, em particular dos pronto-atendimentos da Bom Jesus e da Lomba do Pinheiro, comunidade e servidores estão sendo chamados pelos movimentos sociais e sindicais – inclusive o Simpa – a participar de reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) que acontece nesta terça-feira, 14/05, às 10h, na Câmara, quando o tema será tratado pelos vereadores. Trata-se de mais uma importante etapa na luta popular contra a entrega da saúde à iniciativa privada às Organizações Sociais (OSs).
O Conselho Municipal de Saúde, entidade do controle social, e o Simpa têm estado na linha de frente da defesa do SUS conforme os princípios preconizados pela Constituição, que aponta a possibilidade de terceirização apenas em caráter complementar, portanto, em casos específicos, e não em substituição ao serviço público. Neste sentido, o CMS realizou audiência pública no dia 09/05, na Câmara Municipal, com o objetivo de analisar o referido chamamento público. Na ocasião, foi aprovado, por unanimidade entre os conselheiros do CMS, parecer (veja abaixo) elaborado pela Secretaria Técnica (Setec), órgão que assessora o CMS, rechaçando as terceirizações dos pronto-atendimentos.
Os conselheiros entenderam não haver justificativa plausível, por parte da Prefeitura, para a adoção desta modalidade de serviço, que tem se mostrado prejudicial para a qualidade e continuidade do atendimento em saúde. Do ponto de vista econômico, a alternativa também não demonstrou ser interessante ao erário.
No rol das conclusões listadas no relatório da Setec está, entre outras questões, a falta de instauração, por parte da gestão municipal de “processo administrativo prévio demonstrando a necessidade e a vantagem da opção pelo Chamamento Público e de que trará melhor desempenho e menor custo, visto que a terceirização não pode decorrer da mera conveniência administrativa”.
Custo com pessoal
Segundo o relatório, a Secretaria Municipal de Saúde aponta a necessidade de 45 profissionais no Bom Jesus – com um incremento na folha no valor de mais de R$ 533 mil mensais – e de outros 77 para o PA da Lomba – somando mais de R$ 611 mil mensais à folha de pagamento. Com isso, o custo médio passaria de R$ 2,6 milhões para R$ 3,133 milhões no PABJ e de R$ 1,45 milhão para R$ 2,061 no PALP.
Um dos apontamentos feitos no relatório mostra haver “inconsistências nos dados apresentados, visto que o custo por função de servidor público é equivalente ao custo percebido por um servidor em final de carreira e não com ingresso atual ou futuro, considerando, inclusive, as novas regras estabelecidas a partir da aprovação do PLCE 02/19, ou seja, estão no mínimo superestimados”. E complementa: “Ainda se considerando o dado real/atual, teremos uma redução de 50% no valor do incremento da folha de pagamento com recursos próprios, visto que foi informado pela gestão municipal que o cálculo do custo com pessoal é feita com base no teto máximo”.
Recursos devolvidos
Além disso, o relatório coloca que, apesar de a prefeitura argumentar que a terceirização é uma necessidade para que seja possível ampliar o atendimento, recursos públicos oriundos do Ministério da Saúde, destinados a estes e outros equipamentos públicos, acabaram tendo de ser devolvidos pela falta de cumprimento nos prazos estabelecidos.
Um exemplo disso foi a primeira parcela de um total de mais de R$ 977 mil, no valor de R$ 293 mil, que seriam usados para a qualificação e habilitação do PA Bom Jesus em UPA Porte II. O valor foi devolvido em agosto 2017 devido ao “não cumprimento de prazo para a inserção da ordem de início do serviço/obra”.
O mesmo ocorreu com o PA da Lomba, que deixou de receber parcela de R$ 583 mil, de um total de 1,9 milhão, para sua reforma e ampliação, valor devolvido também em agosto de 2017. O CMS pediu explicação para a prefeitura sobre tais devoluções, mas não obteve resposta até a apresentação do relatório. Da mesma forma, em fevereiro o município devolveu mais de R$ 928 mil, originalmente destinados à compra de equipamentos para os dois PAs, por não terem sido utilizados no prazo estabelecido.
O relatório também denuncia que desde 2013, a SMS “vem terceirizando a contratação de funcionários para os Pronto Atendimentos e Hospital de Pronto Socorro, sem trazer soluções definitivas, como a abertura de concurso ou chamamento dos aprovados em concurso público vigente, conforme prevê na legislação; nesse sentido, o CMS/POA representou ao MPE, Promotoria do Patrimônio Público sobre este tema, em dezembro de 2018”.
Falta de evidências
Durante a assembleia, o professor de Saúde Coletiva da UFRGS, Alcides Miranda, que há mais de 10 anos estuda a questão da privatização de serviços de saúde, fez um apanhado histórico dos processos dentro e fora do Brasil e constatou que estudos internacionais evidenciam “aumento discreto na produção de procedimentos biomédicos, sem, contudo, alterar qualitativamente a acessibilidade (principalmente em termos de equidade) e os impactos sobre o estado de saúde das populações”. O professor também mostrou que as despesas orçamentárias não diminuíram e que há poucos cálculos sobre os impactos indiretos na economia.
No caso do Brasil, Miranda apontou que os contratos são restritos aos termos de produtividade (volume de procedimentos), sem a garantia dos princípios constitucionais do SUS – como universalidade e integralidade –, sem termos de avaliação (acessibilidade, produção e qualidade dos serviços, impactos epidemiológicos, custos e benefícios indiretos) e sem controle social. Além disso, lembrou haver evidências de que nas terceirizações, as despesas orçamentárias transferidas aumentaram em curto prazo, ao mesmo tempo em que cresceu a precarização da situação dos trabalhadores, que são terceirizados ou quarteirizados.
“Se não há evidências de que empresariar a gestão pública melhora o acesso, de que melhora a qualidade dos serviços, que impacta positivamente no estado de saúde da população, qual seria o argumento para justificar esse empresariamento?’, questionou. A resposta, segundo o professor, está no pagamento de juros da dívida em todas as esferas governamentais. “Ao invés de estarmos investindo em atenção integral à saúde, em promoção, proteção dos mais vulneráveis, assistência, reabilitação, reintegração, investimos só na produtividade, numa lógica em que o que conta é o custo orçamentário sobre benefício eleitoral”.
Miranda também enfatizou que do ponto de vista econômico, o SUS também se mostra sustentável: “conforme dados do Ipea (2012), a cada R$ 1,00 gasto com o SUS, é gerado R$ 1,70 na economia, porque o SUS é um dos sistemas que mais empregam no país”, explicou.
Ao finalizar sua participação, o professou concluiu: “É preciso responsabilidade, discutir com os secretários e economistas que o cálculo de economia não se faz somente sob essa lógica de diminuir despesa pública para pagar agiota, mas principalmente colocando nessa conta o custo e o benefício social de políticas públicas que vão ter impacto não só no curto prazo, mas por gerações e gerações”.
Participaram da audiência pública o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto; o vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde, Itamar Santos; a presidente do CMS, Maria Letícia Garcia e o vice-presidente do CMS, Gilmar Campos.
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