Nota do Simpa: o discurso surreal que culpa professores pela evasão escolar

A desconexão entre a realidade e a concepção administrativa e pedagógica adotada pela Secretaria de Educação de Porto Alegre ficou mais uma vez evidente nesta sexta-feira (23). Durante curso de formação oferecido pela Smed aos professores da Rede Municipal de Ensino (RME), a palestrante convidada afirmou que a evasão escolar estaria, em grande medida, ligada ao fato de os alunos não gostarem de seus professores.

 

A tese defendida — que demonstra desconhecimento sobre a própria RME — é absurda em vários aspectos. Primeiramente, porque ignora as relações de afeto desenvolvidas entre educadores e estudantes, que constituem a essência do vínculo estabelecido com a comunidade escolar. Não são poucos os relatos de familiares sobre a saudade que os filhos sentem dos professores e do ambiente escolar neste período de afastamento forçado, necessário à proteção da vida durante a pandemia de Covid-19. Não são poucas as ocasiões em que familiares recorrem aos professores para resolverem questões variadas pelo respeito e confiança estabelecidos entre as partes.

 

Porém, o mais grave deste argumento está no fato dele jogar sobre o corpo docente da RME uma responsabilidade que cabe ao gestor. Enfrentar a evasão é um dever daqueles que ocupam a Smed e o Paço Municipal.

 

Ao longo dos últimos anos, tanto no governo anterior quanto no atual, de Sebastião Melo, houve pouca ou nenhuma preocupação com os aspectos que, de fato, levam à evasão escolar. Ao contrário: a RME e os serviços públicos em geral sofreram um verdadeiro desmonte, comprometendo a qualidade do atendimento e mesmo a oferta deste à população. A chegada da pandemia no ano passado apenas agravou esta situação e desnudou o discurso falacioso de que a educação é assunto estratégico e prioritário.

 

Nos últimos anos, a Smed não investiu na educação pública, deixando o sucateamento tomar conta da rede. Faltam professores, estrutura física adequada, recursos digitais e tecnológicos, formação apropriada, diálogo e valorização dos professores — o que também se traduz no desrespeito à legislação vigente no que diz respeito à falta de reposição inflacionária nos últimos cinco anos, arrochando os salários de todos os servidores, e na imposição de novas regras que levaram a perdas importantes nas carreiras e nas aposentadorias da categoria.

 

Durante a pandemia, quando os alunos e suas famílias mais precisaram de apoio, a Prefeitura e a Smed “lavaram as mãos”. Não garantiram internet, equipamentos e nem um sistema adequado de ensino remoto. Não ofereceram atendimento em assistência social ajustado à nova realidade, nem sequer o básico para levar um mínimo de segurança alimentar aos alunos mais vulneráveis — inclusive a Smed perdeu recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) justamente por não ter entregado as cestas básicas que deveria.

 

Ao longo de todo esse período, professores e Simpa procuraram dialogar com a Smed, demonstrando as necessidades e insuficiências da rede. Sem sucesso. Durante a pandemia, também não foram poucas as ocasiões em que sindicato e trabalhadoras(es) apelaram para a Smed a fim de que fossem garantidas as condições necessárias ao ensino remoto e à mitigação da fome.

 

Quando a Prefeitura sinalizou para o retorno às aulas presenciais, também foram o Simpa e os servidores da educação que apontaram a falta de condições estruturais e de protocolos sanitários capazes de garantir segurança à saúde e à vida da comunidade escolar. A priorização da vacinação dos professores só se concretizou após muita pressão. E agora a Smed quer, mais uma vez, impor o retorno às aulas sem que haja ambientes seguros em meio à propagação da variante Delta.

 

Cabe destacar ainda que o agravamento da crise antes e principalmente durante a pandemia levaram a um aumento sensível da fome, da miséria e o consequente crescimento da população em situação de rua e das crianças vendendo produtos nas sinaleiras, uma verdadeira tragédia social para estas e para as futuras gerações.

 

A soma de todos esses fatores está na raiz da atual evasão escolar. Um governo apelar para a responsabilização dos professores diante de um quadro multifatorial e dramático que incide inclusive na realidade desses profissionais seria surreal em qualquer lugar sério. Mas não na Porto Alegre de Sebastião Melo, no Rio Grande do Sul de Eduardo Leite e no Brasil de Jair Bolsonaro.

 

Simpa

Tags: Educação, evasão escolar

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