️ Coletivo de Professoras e Professores de História da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (CPHIS) publica nota criticando pronunciamento do prefeito, Sebastião Melo, no qual defendeu Manifestações em defesa da ditadura.
Veja, abaixo, a íntegra da manifestação:
“LIBERDADE DE EXPRESSÃO NÃO PODE SER PRETEXTO PARA NEGAR A HISTÓRIA
1 de Janeiro de 2025. Em seu discurso de posse, o Prefeito reeleito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), defende o direito à livre manifestação de defesa da ditadura. Para ele, defender a ditadura seria “liberdade de expressão”. Tamanha contradição, pois os regimes ditatoriais, quando instalados, acabam com a liberdade de expressão instaurando a censura e a perseguição a seus opositores como vivenciamos no período do golpe civil-militar de 1964 a 85 no Brasil. Nós, como professoras e professores de História, não podemos deixar de afirmar que defender o regime que matou, sequestrou e torturou opositores políticos não é liberdade de expressão, mas negacionismo histórico. Nós temos a obrigação de afirmar que defender a ditadura é legitimar os crimes cometidos por ela ou negar que esse período tenha ocorrido em nosso país. Em ambos os casos, a fala nada tem de “expressão”.
Vivemos um momento de acirramento político e, por razões ideológicas, grupos extremistas têm se dedicado a negar a História. Sem base em fatos ou estudos pautados na ética, tentam omitir os crimes da ditadura no Brasil, ou transformar a ideologia nazista para diminuir o fato de ela ser responsável pelo extermínio racista de milhões de pessoas. O discurso do prefeito tenta surfar nessa onda para angariar apoio político desses grupos extremistas que desconhecem ou fazem mau uso da História do Brasil e do mundo.
Ressaltamos que liberdade de expressão passa pela licitude do que é expressado. A liberdade não pode ser usada para expressar crimes de ódio, o que é inconstitucional. Além disso, o prefeito Melo cria um falso paralelo ao opor ditadura, um regime de governo, ao comunismo, um sistema econômico. Ditadura é um regime que restringe liberdades pessoais e políticas e por isso é oposta à democracia.
Uma postura verdadeiramente em defesa da liberdade de expressão entraria em choque com situações recentes ocorridas na capital gaúcha, que impuseram censura à arte e à docência. O prefeito e seus aliados entram em contradição pois suas posições parecem ter dois pesos e duas medidas: negar a História é “liberdade de expressão”, mas emitir opinião sobre o problema ambiental ou sobre os acontecimentos sombrios de nossa História é algo inaceitável que deve ser censurado. A “liberdade” que advoga o prefeito só vale quando serve para seus fins políticos e ideológicos.
Liberdade para expressar o quê?
Agosto de 2024. Por determinação da Justiça Eleitoral do RS, um grafitti realizado por Filipe Harp, que reproduz obra de Bruno Ortiz, foi apagado da parede do Centro Cultural Casaverso na Cidade Baixa em Porto Alegre.
A obra mostrava um rosto, muito provavelmente o do Prefeito de Porto Alegre, parcialmente submerso em água enlamaçada, como que se afogando na lama produzida pela enchente. O desenho de Bruno era uma crítica à situação de Porto Alegre em meio às chuvas e cheias que inundaram parte significativa da capital e também já havia sido apagada de um muro na Praça Argentina (1), no centro da capital, no final de julho, por empresa contratada pela Prefeitura para outros fins, como mostrou reportagem de Sul21 (2).
A decisão do TRE, que determinou o apagamento da arte, foi tomada a partir de ação da Coligação Estamos Juntos Porto Alegre (MDB, PL, Podemos, PRD PSD e Solidariedade), que trabalhou para a reeleição de Sebastião Melo e que estabeleceu multa para o artista caso a decisão fosse descumprida. Entretanto, o TRE não acatou pedido da Coligação de proibir reprodução da imagem e do uso do termo “Chimelo” para se referir ao candidato, sob pena de caracterização do ato como censura prévia.
Censura nas escolas públicas municipais
11 de dezembro de 2024. Foi aprovado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre um projeto de lei que estabelece censura prévia nas escolas públicas da Rede Municipal de Ensino da capital (3). A autoria é do ex-vereador e ex-secretário de Urbanismo, Valter Nagelstein, que perdeu seu mandato na Assembleia Legislativa do Estado e foi exonerado do cargo comissionado que exercia na casa pelo Republicanos após condenação em segundo grau por racismo (4).
O Projeto já havia sido aprovado na Câmara em 2019, mas foi impedido de continuar tramitando por decisão judicial. Entretanto, em 2024, a pedido da Vereadora Fernanda Barth, do PL, o projeto foi desarquivado. O texto aprovado responsabiliza professores, gestores ou representantes de escolas municipais – o texto não faz nenhuma referência às escolas privadas – para que estes não emitam “opiniões pessoais” acerca de “questões sócio-políticas”, determinando que sejam orientados por uma suposta “neutralidade política e ideológica na condução do ensino e na prática do magistério”.
Podemos nos questionar: os professores devem ser neutros? A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/2016), em seu Artigo 27, parágrafo I, estabelece que os conteúdos curriculares devem se basear, entre outras diretrizes, na “difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática (…) (5).
Essa mesma LDB, em seu Artigo 9°, parágrafo IV, determina que cabe à União, em colaboração com Distrito Federal, Estados e Municípios, o estabelecimento de “competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”. Ou seja, as bases que orientam a educação em todos os entes federativos devem ser construídas em parceria com os outros entes e não de forma completamente autônoma e à revelia do que preconiza a legislação federal.
Mas podemos seguir adiante e adentramos em questões éticas, perguntando se professores e cidadãos devem ser neutros diante da destruição do meio ambiente, das enormes desigualdades que historicamente assolam a sociedade brasileira, da perseguição política, censura, tortura e dos assassinatos promovidos pelo Estado brasileiro no período da Ditadura, vigente de 1964 a 1985, das inúmeras violências historicamente realizadas contra povos originários, populações negras e pobres na História do Brasil. Como podemos ser neutros diante de tudo isso?
A sociedade deve calar quando um sujeito defende racismo, violência contra homossexuais, transexuais, ou defende tortura e ditaduras, incentivando outras pessoas a fazerem o mesmo?
A liberdade de expressão defendida pelo Prefeito da capital gaúcha pode permitir a emissão de discursos que incentivam violações aos direitos humanos e à Constituição Federal que ele jurou defender?
Porto Alegre, janeiro de 2025
Coletivo de Professoras e Professores de História da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre”
(1) Grafite e pichação contra Melo são apagados no Centro de Porto Alegre. Matinal Jornalismo. Porto Alegre, 08, agosto, 2024. Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/reportagem-matinal/grafite-e-pichacao-contra-melo-no-centro-de-porto-alegre/
(2) Empresa contratada pela Prefeitura apagou protesto contra Melo de muro no Centro Histórico. Porto Alegre, Sul 21, 12 de agosto de 2024. Disponível em: https://sul21.com.br/geral-1/2024/08/empresa-contratada-pela-prefeitura-apagou-protesto-contra-melo-de-muro-no-centro-historico/
(3) Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprova projeto ‘escola sem partido’; veja como cada um votou. Porto Alegre, G1 RS, 12 de dezembro de 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/12/12/camara-de-vereadores-de-porto-alegre-aprova-projeto-escola-sem-partido-veja-como-cada-um-votou.ghtml
(4) Ex-vereador condenado por racismo é exonerado da Assembleia Legislativa. Porto Alegre, GZH, 11 de maio de 2023. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2023/05/ex-vereador-condenado-por-racismo-e-exonerado-da-assembleia-legislativa-clhjlhwtp00cm015bt1qhnfos.html
(5) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.html
CPHIS Liberdade De Expressão Não Pode Ser Pretex 250104 133912
Tags: #ConcursoJá, #SemAssédioSemMoradaça, #SimpaSindicato, #somosportoalegre, #VamosResistir, Educação, Ensino, escola, monitor, monitora, municipários, poa, Porto alegre, Professor, Professora, serviçopúblico, Servidores, simpa, sindicato, Somos Municipári@s somos Porto Alegre
Mais notícias
Não há eventos futuros