A educação pública municipal de Porto Alegre vive um de seus momentos mais críticos. Há anos, mas com especial ênfase a partir de 2017, quando a atual gestão assumiu o Paço Municipal, os serviços públicos em geral — e a educação em particular — têm sido sistematicamente atacados e sucateados. Até que veio 2020 e a Covid-19.
A pandemia piorou o que já estava ruim, ampliou o abismo social e desnudou uma das facetas mais cruéis do atual governo municipal: o descaso com seu próprio povo. Tal descaso se traduz numa administração autoritária, que não ouve a população e que não a atende nas áreas mais elementares que constituem os direitos básicos de qualquer cidadão e cidadã, em qualquer fase da vida.
A falta de uma política educacional construída a partir do diálogo e do conhecimento da realidade da cidade desaguou no atual estágio que vivemos. Hoje, mesmo com todas as evidências que apontam para os riscos da retomada das atividades presenciais na Rede Municipal de Ensino (RME) de Porto Alegre, a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Educação, nas pessoas do prefeito Nelson Marchezan Jr. e do secretário Adriano Naves de Brito, insistem em impor o retorno às escolas.
Sejamos sinceros: na grande maioria das escolas municipais de Porto Alegre não há espaço e infraestrutura capazes de dar conta do distanciamento necessário entre os alunos e entre estes e os professores. Não há equipamentos de proteção individual para todos os servidores e protocolos de segurança sanitária consistentes, capazes de garantir, de fato, a proteção à saúde. Não há assistência nem orientação técnica para as direções. Não há, sequer, um monitoramento adequado dos casos de contaminação na RME que possibilite o planejamento e o estabelecimento de parâmetros minimamente condizentes com a realidade.
Ao mesmo tempo que não cumpre com seu papel de mantenedora, a Smed ameaça com sindicância as direções que apresentam relatórios explicitando a completa falta de condições sanitárias das unidades de ensino para a realização de atividades presenciais. Burlando o próprio protocolo sanitário que elaborou, a Smed assina a autodeclaração das escolas, sem verificar as reais condições de cada uma. E pede que as mães e pais de alunos assinem termos de responsabilidade para que seus filhos voltem às escolas. Ou seja, de todas as formas possíveis, o governo Marchezan se esquiva de sua missão e de suas responsabilidades como ente público.
Cabe destacar ainda que:
– O calendário de retorno às atividades, apresentado pela Prefeitura no dia 14 de setembro, não levou em conta a existência da Portaria da Seduc de 8 de junho, nem o Decreto Estadual 55.465, de 05 de setembro, que estabelece as condições formais de retorno às aulas.
– A Promotoria Regional de Educação do Ministério Público desenvolveu o projeto Verificação de Adoção de Providências para a Retomada de Atividades Presenciais em Escolas com Segurança, que foi aplicado em todo o RS. Dos 25 municípios que formam a Região Metropolitana de Porto Alegre, a Prefeitura da capital foi a única que não constituiu — até o começo de setembro, quando teve início o projeto — o Centro de Operação de Emergência (COE), requisito para a criação das condições mínimas de segurança em um cenário de possível abertura. A falta de COE fez com que o Ministério Público Rio Grande do Sul, por meio da Promotoria de Justiça Regional da Educação, emitisse recomendação para que o município o fizesse.
– No dia 1º de outubro, às 17h, foi divulgada edição extra do Diário Oficial de Porto Alegre, publicada em 2 de outubro, contendo o Decreto 20.747, que institui os protocolos sanitários para o retorno às atividades de ensino. À noite, o secretário determinou a abertura das escolas de educação infantil a partir do dia 05/10. As escolas da rede municipal e as comunitárias conveniadas, ou parceirizadas, não tiveram, portanto, tempo hábil para o planejamento e organização do retorno. Tampouco assessoria pedagógica, técnica, sanitária e financeira. A verba extra, anunciada chegou uma semana antes em algumas escolas, mas na maioria, foi disponibilizada apenas a partir da semana de 28/09 a 02/10.
O resultado deste quadro desolador, da imposição de retorno dos servidores às atividades presenciais mesmo em condições adversas, bem como o estímulo irresponsável para que os alunos voltem às escolas, é que, até este momento, já foram notificados mais de 130 casos de contaminação pelo coronavírus nas escolas.
É neste contexto grave — mas que tem sido minimizado ou naturalizado pelo governo municipal — que se desenvolve o atual estágio de resistência e luta dos servidores e servidoras da educação, bem como de sua entidade sindical, o Simpa.
Não foram poucas as tentativas de diálogo, de reunião, de pedidos de informação por parte do Sindicato. Não foram poucas as tentativas de sensibilizar a Prefeitura por meio de ações junto ao Legislativo, aos órgãos de controle e ao Judiciário. Também não foi de repente que a categoria decidiu pela greve sanitária, que se estendeu do dia 19 ao dia 23 de outubro, como forma de protestar e exigir a preservação da vida. Antes, os servidores deflagraram um processo de estado de greve, que teve início no dia 25 de setembro, a fim de chamar atenção da gestão municipal para a situação. Além de todas essas ações, o Simpa investiu em campanhas com o objetivo de alertar a Prefeitura e a população sobre os riscos da retomada. E, para demonstrar o que defende, o sindicato contratou um serviço técnico de vistoria cuja missão é comprovar as inconsistências e insuficiências das medidas anunciadas pela Prefeitura, mostrando que as mesmas não garantem o respeito à saúde e à vida.
O que o Simpa tem exigido da Prefeitura é algo bastante plausível e até óbvio. Afinal, num momento de pandemia — em que faltam ações enérgicas e consistentes desde o âmbito federal, passando pelo RS e o município de Porto Alegre; em que ainda se espera pela vacina que poderá estancar a disseminação da doença; em que faltam testagem em massa e políticas de acompanhamento da população desde a atenção básica —, o mínimo que se pode fazer é manter as atividades presenciais suspensas.
Considerando todo o cenário acima exposto e o grau de transmissibilidade e de letalidade da Covid-19, quando nós, servidores e Sindicato, pedimos que as escolas permaneçam fechadas, estamos dizendo, de maneira realista, que esta é, atualmente, a única forma de sermos consequentes e responsáveis com algo que está acima de qualquer valor: a preservação da vida.
Simpa
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