Estudantes da Emef Judith protestam e questionam secretária sobre retirada da filosofia do currículo

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A luta em defesa da manutenção do ensino de Filosofia na rede pública municipal de Porto Alegre vai além da posição dos educadores, envolvendo também a comunidade escolar. É o caso da Emef Professora Judith Macedo de Araújo, localizada no bairro São José.

Ao lado de professores e trabalhadores da educação, familiares e estudantes buscam reverter a decisão da Secretaria Municipal de Educação (Smed) que quer acabar com a disciplina usando como desculpa a adequação à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Nesta quarta-feira (10), alunos e alunas da escola aproveitaram a visita da secretária de Educação, Janaína Audino, para uma agenda de entrega simbólica de cesta básica da agricultura familiar, e pleitearam a manutenção da matéria. Dezenas de estudantes do oitavo ano, com idade entre 12 e 13 anos, receberam a comitiva da prefeitura entoando as palavras de ordem “filosofia” e “fica filosofia”. (vídeo abaixo)

Na sequência, um grupo formado por três estudantes e o professor que leciona a disciplina, Jaques Schafer, conversaram com a secretária, buscando compreender a motivação da Smed e colocar a contrariedade da comunidade tanto com a retirada da matéria quanto com a falta de diálogo a respeito da decisão. E argumentaram que escolas particulares continuam tendo filosofia, mesmo estando submetidas à mesma base curricular, situação que cria mais um fator de desigualdade entre alunos das diferentes instituições.

Na conversa, a secretária argumentou que seria feito um “espaço filosófico”, de maneira que a disciplina seria retirada e perpassaria as demais matérias transversalmente. A secretária foi evasiva e não sinalizou disposição de mudar a orientação (vídeo abaixo).

Além do falso argumento de adequação ao BNCC – uma vez que a base não impõe a retirada da disciplina, apenas desobriga sua adoção –, a Smed também tem colocado que a mudança curricular atenderia a suposta necessidade de reforçar o ensino de matemática e português em detrimento de geografia e história. A posição tem sido vista por educadores como uma forma de instrumentalizar o ensino, de maneira a reduzir o aprendizado à mera formação de trabalhadores preparados para as demandas básicas do mercado e não para uma atuação crítica e cidadã.

 

 

Proposta ignora até CME

A proposta apresentada pela Smed está longe de ser consensuada. Conforme relatou Carla Cardarello, supervisora pedagógica da Emef, a comunidade escolar realizou assembleia em setembro, na qual foi reafirmado o desejo de manter o ensino de filosofia.

Além disso, ela destaca que a mudança curricular proposta pela Smed “foi feita de maneira antidemocrática, sem diálogo com as comunidades e educadores, que têm defendido a posição de nenhuma disciplina a menos”. Por fim, explica que a Smed sequer levou em consideração a posição do Conselho Municipal de Educação (CME).

De acordo com o Parecer 21/2021 do CME, “a valoração de determinados componentes curriculares em detrimento da oferta da Filosofia traz prejuízos ao aprendizado de habilidades fundamentais e ao histórico de pioneirismo da disciplina na Rede Municipal, que colaborou na introdução e consolidação da área de conhecimento no Ensino Básico e nas parcerias entre universidades e escolas”.

Além disso, aponta o CME, a filosofia, “colabora para o desenvolvimento dos processos de argumentação e justificação, de identificação e acolhimento das diferenças e da noção de cidadania com os princípios de respeito à diversidade, à pluralidade e aos direitos humanos”.

Por fim, o parecer recomenda, entre outros pontos, o respeito “à gestão democrática do ensino público como parâmetro para a organização curricular da Rede Municipal de Ensino; que seja assegurado “ o princípio da autonomia das comunidades na elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos e Regimentos Escolares; que sejam atendidos os “objetivos da educação nacional dispostos na Constituição Federal, na LDB e nas diretrizes exaradas pelo Conselho Nacional de Educação”; que sejam cumpridas as “normativas do Conselho Municipal de Educação que orientam o sistema de ensino” e que seja convocado o Congresso Municipal de Educação.

Pensamento crítico

Professor de filosofia desde 2001 e atuando na RME desde 2006, Jaques Schafer lamenta a alteração proposta pela Smed e assinala que a iniciativa dos alunos em abordarem a professora demonstra justamente o desenvolvimento de uma das habilidades que a filosofia estimula: o pensamento crítico e o questionamento.

“Quando estudantes têm acesso a esta disciplina, passam a refletir sobre sua realidade, sobre a existência humana, sobre a vida em sociedade e isso ajuda na formação de cidadãos e seres humanos melhores”. Ter o ensino de filosofia, conclui, “é uma conquista civilizatória dos estudantes e das comunidades” e contribui para alcançarmos uma sociedade mais justa e humanitária, para além do que deseja o mercado.

 

 

 

 

 

Tags: Educação, ensino de filosofia, Filosofia, SMED

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