Dia do trabalhador, sim. Quando será o ano todo?

Movimentação de idosos no posto da 612 Sul para Vacinação contra Influenza

Por Jonas Reis*

ARTIGO DE OPINIÃO PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 01/05/2020 DO PORTAL DE NOTÍCIAS SUL-21 – acesse a página aqui

O homem vive do trabalho, portanto é um trabalhador. Isto parece uma obviedade, mas não é tão simples quanto possa parecer à primeira vista. O filósofo Karl Marx foi um pensador que falou muito sobre o que constitui a diferença entre os homens e os animais. Tudo aquilo que o homem é, o é pelo trabalho. Esta ideia está presente em inúmeras obras suas bem como nas produções de outros marxianos de tempos posteriores. O trabalho é a ferramenta pela qual constituímos nossa humanidade, produzindo ciência, cultura e tecnologia, ao passo que avançamos no domínio da natureza física e social, produzindo as ferramentas,os bens e os benefícios para nossa sobrevivência e reprodução enquanto espécie.

Assim, quando falamos em trabalho e trabalhador, ressaltamos que não se trata apenas da ideia restrita de “trabalho remunerado”, mas, sim, da ideia de trabalho como meio de produção do ser humano, de intervenção no mundo, de relacionamento social. Para Marx e Engels (1974, p. 19), o homem se distingue dos outros animais pelo trabalho. “O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a Natureza” (Marx, 1983, p. 149). Saviani (2007, p. 154) afirma que o trabalho é a ação sobre a natureza, que a transforma, para dar conta das necessidades humanas. Assim, através do trabalho, transformamos o mundo. Criamos o mundo do trabalho. A expressão Mundo do Trabalho diz respeito à complexidade da realidade social. Nela estão inseridas todas as formas de produção de atividades econômicas tradicionais e também alternativas (serviços, indústria, comércio, agropecuária), atividades culturais (toda a produção social no âmbito das manifestações da cultura, mídia, cinema, dança, teatro, música, entre outros), enfim, da existência humana. Portanto, o mundo do trabalho abrange a produção de bens tanto materiais quanto simbólicos.

No dia 1º de maio, todos os anos, desde há muito, em geral, temos um feriado em que os trabalhadores não vão sair às ruas em massa para vender a sua força de trabalho, para exercer o trabalho remunerado. Ou pelo menos não deveriam sair. Mas muitos vão sair, vários continuam vendendo sua força de trabalho, mesmo neste e em outros feriados para poder sobreviver. Vivemos uma era em que as contradições do capitalismo mais se revelam, não constituímos uma consciência de classe verdadeiramente mundial, de forma a entender o que é o trabalho de fato e quem é o trabalhador. O que seria necessário para que o homem realmente pudesse utilizar a sua força de trabalho para produção do “trabalho socialmente necessário”, conceito marxista soviético? Claro, a libertação das amarras de relações sociais em que os donos dos meios de produção exploram e pagam aquilo que julgam possível pela força de trabalho em todo o globo terrestre.

Hoje, comemoramos mais um dia do trabalho, feriado para alguns trabalhadores, então. Mas, quando buscaremos um futuro para comemorar o ano inteiro a redenção dos trabalhadores e das trabalhadoras? Talvez a tão desejada consciência de classe no mundo todo esteja longe, sim. Mas também pode estar mais perto do que imaginamos diante dessa Pandemia do Covid-19. Temos apenas palpites.

Lembro também que não só o dia a dia nos ensina sobre as históricas expropriações (o roubo do trabalho) do tempo de vida e de trabalho dos trabalhadores. Jorge Amado, em sua obra ficcional da Literatura do Cacau, “Terras do sem fim” (1943), revela as relações sociais e as relações de poder existentes entre os coronéis e o trabalhador grapiúna em um Brasil que ainda ecoa na nossa realidade. Naquela obra, tínhamos dois tipos humanos: o coronel e o trabalhador das roças de cacau. Os coronéis detinham todo o poderio econômico (os meios de produção) e se dedicavam à conquista feudal, sendo parasitas dos trabalhadores das roças de cacau. Não tinha nem 1° de maio. O trabalhador era invisível para o Estado, era um tempo da “Lei do Coronel”, os trabalhadores tinham medo. Hoje, a coisa mudou um pouco.

Tempos depois da realidade que inspirou Jorge Amado, Carlos Marighella, outro baiano, disse: “É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer.” Carlos Marighella, assassinado pelos ditadores brasileiros, em 4 de novembro de 1969, por se dedicar a lutar para devolver a liberdade e o fruto do trabalho aos seus produtores verdadeiros: os trabalhadores. Por isso, não tenhamos medo de dizer a verdade sobre nossa realidade, ainda de roubo cada vez mais exacerbado daquilo que produzem os que labutam no Brasil de 2020.

Bolsonaro disse outro dia que ele era a constituição – ele sonha ser ditador, vive exaltando o golpe de 1964, age como uma espécie moderna de coronel de um Brasil que ainda não sumiu do imaginário do povo mais humilde: um Brasil onde o “presidente coronel” pode tudo. Os coronéis eram a própria lei no passado. Bem, nossa Constituição Federal não é uma maravilha. Mas ali temos alguns direitos enquanto trabalhadores, pior sem ela, né? Certa vez, Leonel de Moura Brizola, o trabalhista, disse: “Esse sujeito (Presidente Collor) bate no peito e diz que ‘O Estado sou eu’. Depois dizem que o Brizola é que é o caudilho.” Bom, nesse caso de comparação de duas falas históricas de presidentes, vemos a história se repetir. De acordo com Marx, na obra “O 18 Brumário, de Luís Bonaparte”, a história sempre se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa (uma repetição muito mal feita e mais danosa que o fato anterior). A título de curiosidade “O 18 de Brumário, de Luís Bonaparte”, fala da conjuntura social, política e econômica da França desde a tentativa da tomada de poder pelos proletários em 1848, o posterior controle burguês do Estado, até a vitória de Luis Bonaparte nas eleições em 1848. Viver a farsa na história é muito mais difícil, sim.

Do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores, estamos vivendo um tempo muito pior do que o do golpista Temer ou do que a época do Collor, desestatizador. Mas devemos lembrar o que Gramsci dizia em seus Escritos do Cárcere: “todo o homem tem uma visão de mundo, uma consciência em determinado nível acerca da realidade”, detém, portanto, uma filosofia de mundo. Daí,extraímos que todo o homem é filósofo. Acontece que temos um problema apontado pelo pensador italiano: temos o maldito senso comum que precisa ser transformado em bom senso. Enfim, no senso comum atual, propagado pelo Bolsonaro, todos temos que trabalhar e não ter direitos. Inclusive não ter direito à vida e se jogar para as ruas, espalhando e morrendo de coronavírus, que, segundo o presidente autoritário, “é só uma gripezinha”. Mas, se temos esse senso comum, possuímos também o desafio enquanto trabalhadores de transformar esse tempo sombrio em embrião de um novo momento de conquistas para a classe trabalhadora. Diz o ditado popular que é na hora do aperto que somos criativos, desamarremos, pois, os nós e libertemo-nos. Cabe aos trabalhadores e as suas organizações uma construção coletiva pela emancipação. Fazer do limão a limonada.

Assim, nesse tempo de crise sanitária, devemos exaltar o trabalho daqueles que ajudam a salvar vidas, principalmente, nos hospitais e serviços de saúde em geral, que estão fazendo muita “limonada” com seu trabalho, mesmo sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), sem valorização profissional, tendo tido direitos trabalhistas e previdenciários roubados pelo governo Bolsonaro e Temer. Esses trabalhadores devem ser lembrados, em especial, no dia 1° de maio de 2020, eles são heróis, não devem ser mártires.

Comemorar o quê, senos últimos anos só perdemos direitos no Brasil? Vamos comemorar as milhares de vidas que foram salvas pelos bravos trabalhadores da saúde. A vida de outros milhares que estão sendo mantidas saudáveis em suas casas com o alimento produzido pelos trabalhadores do campo que não puderam parar de produzir. A vida de milhares de pobres que estão tendo o que comer, pois comunidades e outros trabalhadores fizeram vaquinhas e doaram cestas básicas aos que não tinham ou que perderam empregos na pandemia, desde março, no Brasil. É, parece que há muita gente lutando para que muitos trabalhadores sobrevivam.

Comemoremos a luta coletiva então pela vida do outro, pelas vidas dos outros: dos trabalhadores.

Avante, os trabalhadores sempre lutam, sempre lutaram. Continuarão a lutar por dias melhores. Isso me anima. Isso me dá energia para seguir, como trabalhador, junto aos demais, lutando sempre por melhorias, para que um dia parem de roubar nosso trabalho. Cabe a difícil tarefa de não errarmos nas “táticas”, como dizia o político soviético Lênin, e, se errarmos, ainda poderemos corrigir. Porém, não podemos errar na “estratégia”, daí muita coisa perderemos. Enfim, lutemos pelo dia em que comemoraremos o ano todo como sendo do trabalhador e não só um dia.
Até a vitória da classe trabalhadora.

(*) Professor e Doutor em Educação. Diretor Geral do Simpa.

Referências Bibliográficas
MARX, Karl. O Capital. v. 01. São Paulo: Abril, 1983.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Porto/ São Paulo: Editorial Presença/Livraria Martins Fontes, 1974. 2 v.
SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, v. 12 n. 34 jan./abr. 2007. P. 152-180.

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